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MST apresenta plano de Reforma Agrária Popular para superar crise social e econômica

Propostas serão apresentadas nesta sexta (5); prioridades são assentar famílias, gerar renda e alimentar a população

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Mesmo com a falta de incentivo à agricultura familiar, campanha nacional do MST já doou 1.200 toneladas de alimentos nas periferias do país - Tomaz Silva/ Agência Brasil

No Brasil, a pandemia que atinge a economia, a política, a natureza, e que impõe efeitos mais severos sobre a vida dos trabalhadores mais pobres, não permite um cenário otimista de futuro, considerando a postura do governo federal frente às milhares de mortes e aprofundamento da crise social

Para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a mobilização e organização do povo, que busca reunir forças para a construção de um novo projeto de país, aponta para um caminho único: a construção da Reforma Agrária Popular.

Nesta sexta-feira (5), o movimento lança um plano com Medidas Emergenciais para a construção da Reforma Agrária, que agrupa propostas para a democratização do acesso à terra, a distribuição de riquezas e a defesa dos direitos dos povos do campo e da floresta

Kelli Mafort, da direção nacional do movimento, explica que a efetivação do plano é fundamental para fazer com que vários trabalhadores e trabalhadoras, que estão hoje na faixa da extrema pobreza e com a situação dramática da fome, possam viver dignamente. 

“Atacar os problemas da crise e os problemas da fome é fundamental, e e na visão do MST, uma das formas da gente garantir com que as pessoas tenham acesso a trabalho, renda, moradia, e alimentação, é através da reforma agrária”, aponta Mafort. 

O lançamento oficial do plano está marcado para as 10h desta sexta, sob mediação de dirigentes e com a participação de artistas, cientistas e parlamentares.

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Terra e trabalho 

Assentar famílias que hoje estão acampadas, desempregadas e nas periferias das cidades é um dos eixos centrais da proposta. Para isso, o MST quer a desapropriação de latifúndios improdutivos, especialmente em áreas próximas aos grandes centros urbanos. 

“Nós fizemos um levantamento entre 729 empresas que estão devedoras da União. Nós temos pelo menos ali uma dívida de R$ 200 bilhões de sonegação fiscal. Se essas empresas pagassem em terra para o governo brasileiro, restituindo os cofres públicos, só ali a gente teria a possibilidade de arrecadar seis milhões de hectares de terra”, explica Mafort, que também aponta como alternativa a distribuição das terras devolutas do estados. 

Segundo dados divulgados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no ano passado, os grandes devedores, com débitos superiores a R$ 15 milhões, são responsáveis por 62% da dívida ativa da União e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que atingem um valor total de R$ 1,368 trilhão.

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A liderança do MST explica que a movimentação de ruralistas e do Governo Federal em torno do projeto de lei (PL) 2633  é uma prova de que há terra disponível, o que falta é “vontade política”. O PL é baseado na Medida Provisória 910, a chamada MP da Grilagem, que pretendia distribuir 65 milhões de hectares de terras públicas para fazendeiros e desmatadores, principalmente nos estados da Amazônia Legal,.

“O Brasil não sofre de um problema de carência de terras para poder fazer reforma agrária. Nós temos um bolsão enorme de terras públicas que poderiam ser arrecadas imediatamente e colocadas nelas pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social”, analisa Mafort. 

Nós temos um bolsão enorme de terras públicas que poderiam ser arrecadas imediatamente.

Outro ponto central exposto no eixo Terra e Trabalho do plano, é a suspensão dos despejos e reintegrações de posse, que se tornaram mais iminentes após o golpe contra Dilma Roussef (PT), em 2016, e a consequente eleição de Jair Bolsonaro (sem partido) – defensor declarado da violência contra camponeses sem-terra.

Ameaças x solidariedade

No Paraná, 10 mil famílias vivem em 70 acampamentos do MST e cerca de 25 deles enfrentam o risco do despejo. Mesmo diante desse cenário, é no estado onde o MST vem tendo uma das atuações mais expressivas na distribuição de alimentos para a população vulnerável. Desde o início da pandemia, foram doados mais de 155 mil toneladas de alimentos agroecológicos colhidos de roças e hortas de mais de 90 assentamentos e acampamentos.

Adair Gonçalves vive há 10 anos no acampamento Resistência Camponesa, em Cascavel, que se prepara para participar da terceira doação de alimentos na região oeste do estado. As primeiras ocorreram nos dias 10 e 17 de abril e atenderam entidades e três comunidades indígenas da cidade de Guaíra. 

A iminência do despejo, para o camponês que iniciou a luta dentro do movimento em 1991, quando tinha apenas 11 anos de idade, “é a grande dificuldade e angústia das famílias”. 

“Nós aqui no acampamento, recebemos a reintegração de posse no dia 15 de dezembro. Nós tava se preparando para fazer as festas de fim de ano, para receber os familiares. Aí recebemos essa dura realidade. Aqui é um acampamento antigo, de 1999. As famílias vivem aqui, moram aqui, tudo que as famílias tem está aqui. Você imagina ter que sair de um lugar, onde já construiu uma relação”, afirma Gonçalves, ao lembrar que só no ano passado, no primeiro ano de governo de Ratinho Júnior (PSD), 500 famílias foram desalojadas de suas terras no estado.  

O agricultor relata que, durante a pandemia, as 52 famílias do acampamento estão trabalhando em uma área de 10 mil metros quadrados para implantar uma agrofloresta. O local recebeu o nome de Antônio Tavares – trabalhador rural assassinado no dia 2 de maio no município de Campo Largo

Para Gonçalves, é preciso que as pessoas das cidades percebam a importância da agricultura familiar e o paradoxo de um país farto como o Brasil não conseguir atender às próprias necessidades de seu povo.

“A gente diz que é um país que é um grande produtor de alimentos, mas na verdade a gente é um grande produtor de commodities”, afirma. 

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A Reforma Agrária deve ser agroecológica 

Para o MST, a pandemia também evidencia a necessidade de consumir alimentos saudáveis, agroecológicos, e que sejam produzidos próximo ao mercado consumidor. 

Kelli explica que a partir das ações solidárias desenvolvidas pelo MST nas periferias urbanas, foi possível identificar a  importância das pessoas cuidarem da sua imunidade. 

“Quando a gente fala desse tema da produção de alimentos nós temos  um problema da padronização alimentar que foi sendo imposta por esse sistema. Então muitas pessoas que vivem na cidade, aqui no Brasil nós estamos falando de 85% da população que vive nos centros urbanos, ela cada vez mais está se alimentando de algo que não pode ser considerado comida de verdade, um alimento ultraprocessado", assinala a sem-terra.

"Isso acaba favorecendo todo o hall de empresas que está por trás disso. Por onde a gente tem andado nas ações de solidariedade, a gente percebe o quanto que as periferias está colocada numa situação de desertos alimentares”, aponta.

Nacionalmente, o trabalho de solidariedade do MST, que já distribuiu mais de 1.200 toneladas de alimentos para famílias de baixa renda de todo o país, está concentrado em duas iniciativas: na campanha “Vamos Precisar de Todo Mundo”, que reúne, por meio de uma plataforma online, ações em curso de mais de cem entidades que compõem as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo; e na campanha "Periferia Viva", focada na luta por políticas públicas e no trabalho de base construído nos territórios. 

Destinar recursos para quem alimenta as cidades, os agricultores familiares, são caminhos que podem garantir a soberania alimentar da população e que compõem a proposta . O desmonte do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o descumprimento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) durante a pandemia são denunciados pelo movimento em sua estratégia para a construção da Reforma Agrária Popular, que também defende a utilização de linhas de crédito dos bancos públicos para o financiamento de agroindústrias e cooperativas.

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Para Mafort, os assentamentos de reforma agrária e os acampamentos produtivos têm capacidade para seguir alimentando os centros urbanos, mas para isso é preciso políticas públicas que apoiem essa produção.

“Para a gente poder ter ações de solidariedade, para gente fazer com que o produto saia lá da roça e chegue até a panela vazia da cidade, a gente precisa ter políticas públicas”, explica a liderança, que frisa também que para garantir a produção de alimentos é preciso criar condições dignas para a continuidade do agricultor no meio rural - como o fortalecimento do Fundeb, a ampliação do Pronera, e a ampliação e fortalecimento do SUS. 

Zelar pela natureza e seus povos

O último eixo exposto no plano é a preservação do meio ambiente, e sobretudo, dos povos da floresta. Para o movimento, demarcar as áreas quilombolas, os territórios indígenas e o direito de comunidades ribeirinhas e nativas são medidas essenciais para zelar e proteger fontes de água e a biodiversidade em cada bioma.

“Nós só vamos ter um processo de preservação dos bens naturais, se a gente defender os povos. Aonde está o agronegócio e aonde está a mineração é onde mais existem os conflitos de luta pela terra. Tanto o Bolsonaro, como o Salles sabem que para poder passar a boiada, é preciso passar a boiada por cima das pessoas”, comenta Mafort sobre a afirmação do ministro Ricardo Salles, na reunião ministerial do dia 22 de abril. 

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Expostos no plano, a interrupção do uso dos agrotóxicos e o estímulo às agroflorestas são formas de garantir a diversidade e a fartura de alimentos. Para Mafort, a falta de água nas cidades em meio a fase mais dura da covid-19 e a seca que atinge o Sul do país são expressões evidentes do modelo de exploração centrados no agronegócio e na mineração. 

“Nós somos radicais na defesa da agroecologia, da agrofloresta, como uma forma de produzir e se alimentar em abundância, mas ao mesmo tempo preservar os bens naturais. Todas as pessoas que vivem na cidade dependem dessa preservação”, finaliza.

Edição: Rodrigo Chagas