Rio Grande do Sul

Educação

Professoras questionam ferramenta de EAD lançada pela Prefeitura de Porto Alegre

Na avaliação dos docentes o projeto é frágil devido à situação de vulnerabilidade da maioria dos alunos matriculados

Sul 21 | Porto Alegre |
Embora a Prefeitura de Porto Alegre se comprometa a pagar pela navegação no aplicativo Cortex, os alunos têm dificuldade na posse de celular ou computador - USP Imagens/Creative Commons

O lançamento do aplicativo “Cortex Aluno” e “Cortex Professor”, ferramenta para integrar professores, pais e alunos da rede pública municipal de Porto Alegre em tempos de aulas suspensas devido ao coronavírus, tem causado dúvidas a respeito de sua eficácia. Segundo a Prefeitura, o projeto de ensino à distância, anunciado nesta terça-feira (2) pelo prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB), beneficiará 40 mil alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, sendo 13,5 mil na etapa inicial do projeto. A dúvida se refere principalmente à capacidade de acesso dos estudantes a computadores ou telefones celulares, considerando o anúncio da Prefeitura de que irá custear a contratação de um pacote de dados com as operadoras de telefonia para que os alunos não tenham custos ao acessar a plataforma Cortex.

Embora enalteça a iniciativa, Isabel Medeiros, presidente do Conselho Municipal de Educação, diz que o projeto é frágil devido à situação de vulnerabilidade da maioria dos alunos matriculados nas escolas municipais da capital gaúcha. “O que a gente aponta como problema principal dessa proposta, é que ela não prevê o acesso dos alunos. Não quero dizer de antemão que não vai funcionar, acho louvável fazer a proposta, mas é insuficiente”, afirma Isabel.

Há cerca de 30 anos dando aulas na rede municipal de ensino, inclusive com experiência no ensino à distância, a presidente do Conselho Municipal de Educação pondera que não basta ter um celular — o ideal seria um computador —, é preciso que o aparelho seja  bom para poder baixar e fazer funcionar o aplicativo corretamente, uma realidade distante da vivida nas escolas do município, quase todas localizadas em regiões vulneráveis da cidade.

Como característica do ensino à distância, a função do tutor, nesse caso provavelmente um familiar do aluno, também é lembrada como um fator preocupante, considerando a possível deficiência educacional do pai ou da mãe do estudante. Isabel Medeiros enfatiza que a atividade de ensino só pode ser considerada eletiva se houver 100% de acesso ao aluno, situação que pode não acontecer via aplicativo para os estudantes da rede pública municipal.

“Garantir o acesso é um princípio constitucional da educação e não temos, de saída, a possibilidade de garantir o acesso e o cumprimento desse princípio”, afirma Isabel, destacando que a pandemia intensificou a desigualdade no ensino entre escolas e alunos das redes pública e privada. Apesar das dificuldades, ela acredita que haverá empenho dos professores para alcançar o melhor resultado possível. “Estão todos ansiosos”.

Ausência de diálogo

A plataforma Cortex, de acordo com o governo de Marchezan, permitirá aos professores disponibilizar aulas e enviar e receber atividades feitas pelos alunos. Para os pais, será possível acompanhar as notas do estudante, a média da turma, além de presenças e faltas, entre outras funções.

O lançamento do aplicativo, entretanto, causou certa surpresa entre os profissionais de educação do município. É o que garante Cindi Regina Sandri, professora aposentada da rede municipal e diretora de Comunicação do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa). “Em nenhum momento, absolutamente nenhum, a rede municipal de ensino foi chamada para construir junto projetos pedagógicos para a rede”, afirma.

Desde de que as aulas foram suspensas, em meados de março, Cindi Regina diz não ter havido orientação por parte da Secretaria Municipal de Educação (Smed) sobre como proceder durante a interrupção das atividades.

Ao lançar um aplicativo que demanda capacidade de acesso à tecnologia por parte de alunos em situação de vulnerabilidade, a diretora do Simpa afirma que tal realidade é desconhecida pelo prefeito Marchezan e pelo secretário da Smed, Adriano Naves de Brito. “São realidades inimagináveis para eles, ao acharem que uma ação dessas vai ter sucesso. Não existe, na cabeça do prefeito, essa situação de vulnerabilidade, é algo invisível para eles”, diz Cindi.

No lançamento do aplicativo, Marchezan reconheceu o problema de existirem alunos sem acesso à telefonia móvel ou computador, no entanto, não apresentou soluções no momento. “Vamos iniciar com o que temos e depois, avançamos”, disse o prefeito.   

Retorno incerto

Além da dificuldade relativa ao uso do aplicativo, a presidente do Conselho Municipal de Educação, Isabel Medeiros, vê com preocupação a ausência de perspectiva de quando a pandemia arrefecerá ou, como diz, um “cenário de saída”. Quando esse dia acontecer, pondera, será preciso avaliar o estágio do processo de aprendizagem e então decidir o melhor caminho para o cumprimento do ano letivo. Para ela, a necessidade de acolhimento sim, é uma certeza.

“É um trauma, uma crise. É fundamental um momento de acolhimento. O difícil de tudo isso é que não temos um cenário de saída. Se formos até agosto…”, reflete, antevendo a situação extraordinária do ano letivo de 2020. “Vamos ter que avaliar no retorno”.

Enquanto as aulas presenciais não voltam, Isabel faz questão de destacar o empenho da comunidade escolar durante a paralisação das atividades presenciais. Mesmo sem orientação da Secretaria Municipal de Educação (Smed), ela afirma que as escolas têm se dedicado a arrecadar alimentos e entregar às famílias carentes do entorno.

Edição: Sul 21