Paraná

ENTREVISTA

Renato Almeida: “Ainda estamos em vias de construir um modelo alternativo de cultura”

Renato Almeida de Freitas aponta desafios do trabalho cultural na periferia em tempos de pandemia

Curitiba (PR) |
Renato Almeida Freitas é advogado popular e promotor cultural - Foto: Giorgia Prates / Diagramação: Vanda Morais

Advogado popular, promotor cultural em áreas de periferia, militante político e social, Renato Almeida de Freitas, analisa que, neste momento, marcado pela crise econômica e ausência de infraestrutura, o desafio é pensar uma produção cultural de acordo com a necessidade da população da periferia. Confira os principais trechos da conversa com Renato, durante o programa Brasil de Fato Onze e Meia.

Cultura das periferias

“Por que a cultura é tão desvalorizada no Brasil e nas periferias? Eu mesmo quando tive contato, lá no início dos anos 90 com o rap nacional, com os Racionais, quando tinha 12, 13 anos, e desde então nunca vi o rap, e hoje com o funk, ser visto como cultura. Isso é uma expressão da periferia, que ficava confinada, não tocava nas rádios, não aparecia na TV, e que era dita a música dos “mano”.

Havia uma criminalização muito grande do rap na  época, nunca era visto como cultura, nesse patamar em que se colocam as apresentações artísticas, nessa gaveta nobre. E o resto do consumo cultural das periferias que, tradicionalmente, se dá pelas novelas, pelos filmes da “Tela Quente”, pelos programas de domingo, “Gugu”, “Faustão”, não estão ali para fazer ninguém refletir (...) As pessoas acham que aquilo é cultura e a outra cultura não tem valor. E as pessoas acabam não lendo um livro, indo a um teatro, não valorizando as expressões culturais do seu bairro, da sua comunidade, justamente porque elas são desvalorizadas”.

Desigualdade e racismo

“E a gente tem uma grande dificuldade para construir cultura num momento de pandemia porque este momento é sobretudo um momento de crise financeira. A realidade é que é primeiro uma crise de saúde, e em segundo plano uma crise financeira decorrente dessa crise de saúde, que o nosso governo não tem o comprometimento de encontrar soluções. E a gente já percebeu que o vírus afeta mais as pessoas da classe mais baixa, há uma questão de classe, as pessoas pobres vão morrer mais. Como já era de se esperar, por isso está lá em Manaus, está lá no Ceará, nas periferias dos centros urbanos absolutamente desiguais no Brasil.

Em São Paulo o bairro da Brasilândia, que já estive lá, é um dos bairros em que mais está tendo morte pelo Covid-19. Depois da pobreza tem também o recorte racial, há a população indígena no Amazonas, a população negra nas periferias do Rio Janeiro e São Paulo, que são muito grandes. Então algumas pessoas em específico é que vão morrer”.

O péssimo exemplo de Bolsonaro

“Na periferia, as pessoas não estão levando a sério porque há uma guerra de narrativas, aqui onde a gente tem trabalho, na Vila Leonice, no Cachoeira, em Tamandaré, no Graziele, ou mesmo em Colombo ou no Bairro Alto, no Atuba, tenho dado um ‘rolê’ pela região, a gente faz campanha de arrecadação de alimentos, e nessa campanha tem o prazer de chegar nas pessoas, nas casas, e entregar as cestas básicas, mas também tem uma conversa para mostrar a gravidade do assunto, do vírus, do potencial de contágio (…) Então você vê que o senso que a gente tem sobre a doença não é o mesmo deles.

Daí você vai conversar e eles dizem, ‘mas o presidente falou isso’, não sei quem falou aquilo. Ah, ‘a Globo mente’, Sim a Globo mente há muito tempo no Brasil,então se tornou portadora de uma verdade duvidosa. E construir cultura num ambiente desses que já começa a se tornar insalubre porque o risco de contágio é muito alto, é uma das tarefas mais difíceis”

Desafios para uma cultura popular

“E a proposta que está tendo é de construir cultura em ambientes virtuais, mas essa não é uma proposta popular. As pessoas já não têm hábito de consumir cultura, de interagir com quem produz cultura nem quando as pessoas vão aos bairros delas, na internet é mais difícil. Para esses ‘streamings’ tem de ter uma internet boa, um computador bom, um ambiente sem ruídos em casa. Isso se torna, infelizmente, uma proposta para a classe média. A gente ainda está em vias de construir um modelo alternativo de cultura nestes tempos de pandemia que se preocupe com a segurança, mas também esteja no bairro. Esse é um grande desafio”.

Confira a entrevista na íntegra abaixo:

 
BDF ONZE E MEIA - 18/05/2020

No programa de hoje conversaremos com a atriz e diretora teatral curitibana, Nena Inoue, que foi a vencedora do Prêmio Shell de Teatro 2019. Ela recebeu a premiação na categoria melhor atriz por seu trabalho na peça “Para Não Morrer”. Também trocaremos ideia com Renato Almeida de Freitas, advogado popular, especialista em criminologia, realizador cultural e colunista do Brasil de Fato Paraná. #EmCasaComDireitos

Posted by Brasil de Fato Paraná on Monday, May 18, 2020

 

Edição: Gabriel Carriconde