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Da meningite dos anos 70 ao covid: governos deixando a vida em segundo plano

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Bolsonaro brinca com a saúde do povo brasileiro - Marcos Correa
A entrada de militares para a gestão da saúde tirou cada vez mais o combate à doença de cena

O vídeo da reunião ministerial do governo Bolsonaro é estarrecedor.

Seja pelo conjunto das falas e pautas apresentadas, seja pelo tom belicoso de Bolsonaro e alguns ministros, mas sobretudo, pela ausência do tema que deveria ser a pauta central. Ocorrida em 22 de abril, data em que dados oficiais apontavam a morte de 2.924 brasileiros/as pelo Covid, o tema da pandemia não foi apreciado.

A única intervenção sobre a principal crise do período foi feita pelo ministro Nelson Teich, que estava no quinto dia de mandato. Num informe de pouco mais de três minutos o deslocado ministro afirma que a saúde é fundamental, que é preciso focar em três objetivos no combate à pandemia: Informação, Infraestrutura e um programa de saída do isolamento, que afirma “não será amanhã”, mas que sem uma política bem definida o “medo”, impedirá que qualquer outro projeto possa avançar durante o período.

Assim que o ministro encerra a fala Bolsonaro afirma que havia telefonado para o diretor geral da Polícia Federal. O objetivo da ligação era para indagar do dirigente a respeito de uma postagem sobre a morte de um patrulheiro por covid. Bolsonaro queria saber se o patrulheiro falecido não tinha qualquer outra doença. Demonstra que censurou a mensagem por entender que a mesma estaria reforçando o medo. A reunião prossegue com o desfile de horrores que a sociedade brasileira assiste atônita.

O ministro Teich que encerrou sua fala dizendo que a sociedade não pode olhar para o governo como se estivesse num barco à deriva no combate ao vírus deixaria o ministério três semanas depois. Desde então a entrada de militares para a gestão da saúde tirou cada vez mais o combate à doença da cena política, exceção feita ao protocolo do uso da cloroquina, obsessão de Bolsonaro que não encontra apoio cientifico.

Essa postura do atual governo nos faz lembrar a epidemia provocada pela meningite durante a ditadura civil-militar no início dos anos 1970. No período dos governos dos generais Médici e Geisel vigorava o famigerado Ato Institucional número 5 (AI-5) e os graves efeitos da combinação de duas bactérias meningogócicas foram impedidos de serem publicados. Em declaração ao portal Uol em matéria assinada por André Bernardo para a BBC Brasil, intitulada “Escola fechadas, hospitais lotados, eventos cancelados: O Brasil da meningite de 1974”, publicada no dia 28 de março deste ano, a jornalista Catarina Schneider, autora da tese: “A construção discursiva dos jornais O Globo e Folha de S.Paulo sobre a epidemia de meningite da Ditadura Militar Brasileira” (1971-1975), declara: “Essa tentativa de silenciamento impediu que ações rápidas e adequadas fossem testadas”.

A mesma matéria cita declaração do Dr. José Cassio de Moraes, que na época da epidemia integrava uma comissão de médicos de diferentes áreas que identificaram um surto da doença e procuraram alertar as autoridades, mas não tiveram sucesso: “Os militares proibiram a divulgação de dados. Pensavam que conseguiriam deter a epidemia por decreto. Se eu não divulgo, é como se não existisse”.

O governo só mudou a postura quando a doença atingiu regiões e índices elevados de contaminados e mortos. Já não se podia mais esconder a tragédia. Escolas foram fechadas e os jogos Pan-Americanos de 1975 foram transferidos de São Paulo para a Cidade do México. Na comunidade onde morávamos naquele período tivemos muitas contaminações e mortes por meningite, inclusive duas irmãs minhas ficaram internadas, mas felizmente foram curadas no Hospital de Guaraniaçu. Em artigo futuro pretendo descrever essa experiência pessoal com a epidemia.

À guisa de conclusão: É possível afirmar que assim como os generais Médici e Geisel, o atual governo Bolsonaro coloca a economia e a política como central. Ou seja, a vida da maioria do povo, mesmo sob as democracias estão submetidas aos interesses capitalistas. As tragédias ocorridas em países como Itália, Espanha e Estados Unidos, onde as escolhas governamentais levaram milhares à morte demonstram essa mesma escolha. No Brasil a situação é muito mais grave, uma vez que como demonstrou o vídeo da citada reunião, o governo militarizado de Bolsonaro optou por ignorar a pandemia e não demonstra preocupação com os milhares de mortos e os milhares que ainda morrerão nas próximas semanas. Está mais preocupado com filhos, amigos e seu próprio entendimento de poder: Autoritário e egocêntrico. Reverter esse quadro desolador será tarefa permanente de organização, mobilização e muita solidariedade das entidades e lideranças. O futuro do Brasil e mesmo do mundo pós-pandemia ainda continua uma página incerta. Portanto, vamos à luta, sempre, em defesa de uma sociedade mais justa e solidária.

Edição: Pedro Carrano