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Coluna | Observatório dos conflitos faz balanço do ano de 2019

Confira o resumo dos principais protestos ocorridos em Curitiba e Região Metropolitana

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Protestos reuniram milhares de pessoas em Curitiba em 2019 - Giorgia Prates

O Observatório de Conflitos Urbanos de Curitiba (grupo de pesquisa da UTFPR e UFPR) registra mês a mês as manifestações que aconteceram na capital e na Região Metropolitana. Analisando as motivações dos protestos no ano de 2019, observou-se que a maioria (75%) deles se concentraram em cinco categorias: Trabalho e Direitos Trabalhistas (27%). Estado, Governo e Democracia (18%).  Educação (14%). Infraestrutura Viária, Trânsito, Transporte e Circulação (8%). Gênero, Raça, Etnia e Diversidade (8%). A seguir vamos falar de cada uma delas.

Cabe lembrar que 2019 foi o primeiro ano de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil. Seu projeto político de extrema direita irá refletir em políticas de caráter neoliberal, como a reforma da previdência, redução do aparato do Estado e tentativas de terceirização e privatização nas três esferas de governo.

A cidade e as políticas públicas são construídas de forma a favorecer o desenvolvimento das elites econômicas, ampliando as noções da cidade-mercadoria. Os prejuízos irão recair de forma desigual para as camadas de mais baixa renda e trabalhadores, mas afetam também a forma de viver de todos os moradores da cidade.

Os protestos nesse ano estão intimamente ligados aos setores da sociedade afetados pela perda direitos, como os servidores públicos, artistas e professores. Pautas consideradas superadas retomam ao debate público, como contra a ditadura militar ou a escola “sem partido”. A defesa dos direitos humanos, das minorias, dos indígenas, das feministas entra em cena, reforçando pautas identitárias. Foi um ano de muito desgaste para Bolsonaro, mas mesmo assim ele conseguiu implementar sua agenda e seu projeto político, especialmente com a reforma da previdência.

A reforma da previdência e a retirada de direitos de servidores públicos: sintonia entre os governos de Bolsonaro, Ratinho Jr. e Greca

Os protestos relacionados a “Trabalho e Direitos Trabalhistas” em Curitiba ocorrem em praticamente todo o ano de 2019. Desde fevereiro, estava tramitando na Câmara Federal a proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da previdência pelo governo Bolsonaro, que provocou um cenário de insegurança relacionado a mudanças nas regras da aposentadoria, no tempo de contribuição e na idade mínima. Os protestos nessa categoria foram contra a precarização do trabalho, reforma da previdência e corte de gastos, que afetam salários e plano de carreira, principalmente dos servidores públicos.

No início do ano, o sindicato de motoristas e cobradores (Sindmoc) iniciou campanha por reajuste salarial. Em abril, agentes penitenciários juntaram-se na mesma luta, além de reivindicarem a contratação de novos agentes. Em junho, policiais civis e delegados também realizaram atos, e ainda acrescentaram a pauta da precarização das condições de trabalho.

Em julho, ocorreram dois grandes atos dos servidores estaduais. No início do mês, 20 mil pessoas realizaram caminhada da Praça Santos Andrade até o Centro Cívico, onde foi montado um acampamento. O governo fez proposta de reajuste, que foi rejeitada. Em 9 de julho, o segundo ato reuniu 30 mil servidores no Centro Cívico, e em seguida ocuparam a Assembleia Legislativa do Paraná, onde aproximadamente 400 pessoas passaram a noite. Com isso, no dia 12, o governo estadual fez uma proposta com reajuste inicial de 2% em janeiro de 2020 e parcelas de 1,5% em 2021 e 2022, além da retirada do Projeto de Lei Complementar número 04/2019, que estava em tramitação na ALEP, e previa o congelamento de carreira dos servidores.

Em outubro, o governador Ratinho Jr (PSD) aprovou um projeto de lei, PLC 09/2019, que afetava mais de 170 mil funcionários, com a retirada da licença-prêmio. No dia 3 de dezembro, manifestantes ocuparam o prédio da Assembleia Legislativa do Paraná em protesto contra a reforma. O governo queria elevar alíquotas, congelar reajustes e retirar direitos. Tramitando em regime de urgência, a votação foi transferida para a Ópera de Arame e, com reforço policial, foi aprovada essa reforma da previdência.

Em nível municipal, o prefeito Rafael Greca (DEM) manteve a mesma linha da retirada de direitos dos trabalhadores por meio de pacote com três projetos relacionados ao congelamento dos planos de carreira, alteração de regras relacionadas a sindicatos e reajuste salarial de 3,5%. Policiais fecharam a entrada da Câmara Municipal, enquanto os servidores municipais protestavam. Com o rápido andamento da votação, os manifestantes conseguiram entrar no prédio. Entretanto, os projetos foram aprovados em primeiro turno.

A ocupação na ALEP, Câmara Municipal, e as disputas na Ópera de arame apontam que Curitiba teve muitos protestos que colocaram em xeque o mito da cidade modelo, abafados pelo Estado e controlados pela força policial, vide o que aconteceu com os professores em abril de 2015 com o massacre no Centro Cívico.

Democracia e política controversa

Buscando agrupar o conjunto de atos que aconteceram em 2019, em relação ao tema Estado, Governo e Democracia, os principais embates foram: (i) relacionadas à soltura/prisão do presidente Lula em conjunto com a Lava Jato e os relatos do site The Intercept Brasil, que colocaram em xeque a legitimidade da operação. (ii) atos contra e pró-Bolsonaro; (iii) Manifestações feministas como o “Ele Não” e sobre a morte da vereadora Marielle Franco.

A “Vigília Lula Livre” realizou em 2019 vários eventos, caravanas, caminhadas, shows e entrevistas. Como destaque aponta-se os 365 dias de prisão e a 18ª Jornada da Agroecologia, com o slogan “Semeando a Liberdade”. Por fim, em novembro, manifestações contra e a favor de Lula tomam a cena do debate em Curitiba. Nesse mês Lula foi libertado, beneficiando-se de decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucional a prisão de réus condenados em segunda instância. O site “The Intercept”, ao divulgar uma série de diálogos confidenciais, especialmente entre o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, colocou em xeque a legitimidade da operação Lava Jato e a imparcialidade do juiz, que posteriormente se transformou no ministro da Justiça.

O segundo grupo de mobilizações diz respeito às ações de repúdio e defesa de Jair Bolsonaro. A política controversa do presidente fez com que a população protestasse, mesmo em inaugurações e lançamento de programas. Foram os casos da inauguração do Centro de Inteligência de Segurança e do lançamento do Programa Nacional Lixão Zero, por Ricardo Salles. Em Curitiba, ambientalistas reclamaram das direções tomadas, e estudantes e professores protestaram contra o corte de verbas na educação.

Em maio, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro organizaram atos em defesa de seu governo, pela Reforma da Previdência, contra o STF e o Congresso Nacional, chamadas “Manifestações Verde Amarelo”.

Fusão de secretarias, terceirização de serviços, enxugamento do aparelho do Estado foram motivos de protesto nas três esferas da administração pública, especialmente na saúde, cultura, serviço social e educação. Uma onda de disseminação de fake News sobre ineficiência do Estado mobilizou a opinião pública em relação os serviços prestados.

E, por fim, em setembro, o grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro (MUCB) organizaram novamente a mobilização do “Ele Não”, marcando um ano do ato ocorrido em 2018. O Brasil teve aumento de 7,3% nos casos de feminicídio em 2019 em comparação com 2018, apontou levantamento feito pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal. Em várias mobilizações, misturando-se com outras pautas se repete a pergunta: “Quem mandou matar Marielle?” cobrando a investigação do caso e punição dos culpados.

Em defesa da educação pública

Maio foi o mês mais agitado em relação aos protestos contra a precarização da educação. Os cortes de 30% nas verbas de custeio de três universidades federais (UFBA, UFF e UnB), que depois se estenderam às demais universidades do país, foram anunciados pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, servindo de estopim para uma série de manifestações organizadas por coletivos estudantis, professores e servidores das instituições federais afetadas. A primeira delas ocorreu no dia 8, e foi usada para convocar todas as categorias para a paralisação geral marcada para o dia 15. No dia 10, aconteceu a visita do presidente Jair Bolsonaro para a inauguração do Centro de Inteligência de Segurança, e cerca de 2 mil pessoas se reuniram em frente ao Palácio Iguaçu para pressionar o presidente.

O dia da paralisação (15/5) foi marcado por dois grandes eventos principais, mobilizando mais de 30 mil pessoas ao longo do dia. Unificando pautas diversas, que incluíram os cortes na educação estadual e os direitos dos trabalhadores ameaçados pela reforma da previdência, as manifestações começaram na parte da manhã e seguiram até à noite, culminando em ato que reuniu 10 mil manifestantes. Em apoio à educação pública, no mesmo dia, outras categorias como petroleiros e metalúrgicos, se mobilizaram e convocaram uma paralisação a favor do investimento na educação e contra a reforma da previdência.

Manifestações tomam a rua com frases como: “Em defesa da educação”, “Universidade Pública eu defendo”. É na Praça Santos Andrade que as disputas ficaram mais acirradas, quando um grupo coloca faixa em defesa da universidade pública e apoiadores de Bolsonaro a arrancam e, por fim, ela é recolocada nas escadarias da UFPR. Essa ação simboliza o clima de tensões e disputas sociais e políticas vividas ao longo de 2019.

Durante o ano, também se protestou contra o PL 606/2016, o “Escola Sem Partido”, e o programa “Future-se”. O primeiro foi rejeitado após ter a primeira votação adiada. O programa, por sua vez, continua em aperfeiçoamento em suas novas versões. Com isso, em agosto, houve manifestação em Curitiba como parte de uma agenda nacional. Os protestos voltaram a ocorrer em setembro e outubro, bem como debates relacionados ao tema.

Em defesa de um trânsito seguro e responsável

Ao analisar temas relacionados à Infraestrutura Viária, Transporte, Trânsito e Circulação, verifica-se que os protestos ocorreram em quase todos os meses do ano, com pautas bem diversificadas: congelamento da tarifa dos ônibus; passe livre aos estudantes; protesto contra as más condições de vias públicas; cobrança de pedágio; tabela de frete dos caminhoneiros; segurança viária.

A última pauta representou quase 34% da categoria e refere-se a manifestações decorrentes de diversos acidentes fatais envolvendo pedestres e ciclistas de Curitiba e Região Metropolitana. Moradores, parentes e vizinhos protestam contra a imprudência e crimes de trânsito, melhorias como sinalização, lombadas e iluminação nos locais de maior risco. A expressiva concentração desses protestos indica uma cidade constituída por trânsito violento, imprudência e mobilidade urbana que prioriza os carros em detrimento das pessoas.

Luta contínua por igualdade e contra a violência

Os protestos da categoria “Gênero, Raça, Etnia e Diversidade”, se distribuíram ao longo dos meses, não apresentando uma concentração significativa num período do ano. Aconteceram principalmente atos públicos, com marchas locais e nacionais, como a “Marcha Mundial das Mulheres”, “Marcha da Diversidade”, “Julho das Pretas”, e manifestações contra o racismo, genocídio da população negra e intolerância religiosa.

Ocorreram também diversos atos para lembrar das vítimas de estupros e feminicídios, onde destaca-se o organizado na Rodoferroviária de Curitiba em memória de Rachel Genofre, morta com 9 anos, e que teve seu corpo encontrado em uma mala abandonada pelo assassino. Uma das reivindicações desse protesto foi a mudança do nome da Rodoferroviária para o de Rachel para que crimes como esse não sejam esquecidos.

Edição: Frédi Vasconcelos