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O "mito" e a manipulação política da fé

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Encontro entre Bolsonaro e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. O governo se aproxima dos países de governos mais conservadores do mundo, EUA, Índia e Israel - Fernando Frazão/Agencia Brasil
Outro dado simbólico muito forte na construção do projeto Bolsonaro foi o uso da palavra "mito"

Em 12 de maio de 2016, o então deputado federal Jair Messias Bolsonaro foi batizado nas águas do Rio Jordão em Israel. Em rito que durou menos de um minuto, o presidente do Partido Social Cristão, Pastor Everaldo, brada: E aí Bolsonaro, você acredita que Jesus é o filho de Deus? – Acredito! Segue mais algumas perguntas e o pastor submerge o corpo do deputado nas águas do histórico rio, onde, segundo a narrativa bíblica, João Batista teria batizado seu primo, o jovem Jesus de Nazaré.

Nas recentes manifestações antidemocráticas ocorridas no Brasil, onde o próprio presidente tem marcado presença, é comum ver a bandeira de Israel, acompanhada das bandeiras dos Estados Unidos e do Brasil. Durante a campanha eleitoral 2018, a bandeira israelense, ostentando seu símbolo sagrado (a estrela de Davi), também aparecia em vários perfis nas redes sociais de apoiadores/as de Bolsonaro. O mote “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, foi cirúrgico ao alinhar valores como: Pátria e família ao sentimento religioso conservador de direita que tem na memória coletiva da massa a terra santa como a terra prometida, Israel seria a expressão simbólica dessa tradição.

A eleição de Bolsonaro teve no segmento evangélico amplo apoio, pesquisas apontaram que 75% dos cerca de 38 milhões de votantes deste segmento digitaram 17. Considerando a diferença de 10 milhões de votos para Haddad, o segundo colocado, é possível afirmar que a aliança da campanha Bolsonaro com o movimento religioso de direita foi decisivo no resultado final.

Outro dado simbólico muito forte na construção do projeto Bolsonaro foi o uso da palavra “mito”. Não é preciso muita pesquisa para identificar que tradições do velho testamento bíblico, como a terra prometida e povo escolhido, são mitos muito presentes na formação cultural do judaísmo. A verdadeira doutrinação dogmática em torno desses temas se vale do desenho geográfico da chamada Terra Santa para estender o sentimento de acolhimento e pertença a Deus mesmo em territórios geograficamente distantes como Estados Unidos ou Brasil. Assim, se afirma a crença de que quem aderiu a determinados rótulos religiosos faz parte do rebanho escolhido por Deus para a salvação do sofrimento e dos vícios deste mundo de pecados.

Há tempos o poder político no Brasil e no mundo tem sido objeto dos desejos dos mais variados segmentos. É possível afirmar que lideranças religiosas, sobretudo dos movimentos neopentecostais, do movimento carismático na igreja católica tiveram suas atenções atraídas pelo sentimento de desesperança, de descrença nas instituições, na crise intensa dos Estados modernos cujas lideranças tangidas pelo modelo excludente e concentrador de riquezas do capitalismo são incapazes de superar as mazelas das desigualdades sociais.

Ante o crescimento de um forte sentimento de distopia, as pessoas buscam nas formulações religiosas a força para prosseguir vivendo. Daí para a manipulação política de lideranças atentas a um mínimo de leitura da psicologia das massas foi um pulo. Alavancar um processo de rechaço da política, a critica contundente a corrupção, exaltação dos ditos valores tradicionais, promoveu a eleição de bancadas nos legislativos municipais, estaduais e federal além de levar para o executivo lideranças dessa linhagem, como o prefeito do Rio, Marcelo Crivella.

Parcela expressiva de eleitores/as votaram em Bolsonaro apostando na prometida nova política. Agora que a sucessão de crises provocadas pelo presidente e seus filhos o levou a consolidar a aliança com o chamado centrão, o grupo mais corrompido da política brasileira, essa parcela se vê traída pelo discurso falso de que não haveria a velha política, o toma lá da cá. O desfecho desse ciclo atual de governança baseada na hipocrisia e vitoriosa pelas mentiras amplificadas nas redes sociais é imprevisível.

Defender uma mudança radical de rumos no Brasil será tarefa árdua que exigirá muita reflexão para um encontro necessário do Brasil com a maioria de seu povo.

 

PS – O comportamento autoritário, a defesa da tortura, do porte de armas e pena de morte, a discriminação presente em lideranças como Pastor Everaldo, o político que “batizou” Bolsonaro, recentemente denunciado por nomeações fraudulentas na Cedae, a companhia das poluídas águas do Rio de Janeiro; a tagarelice destemperada de Silas Malafaia, que celebrou o terceiro casamento de Bolsonaro; as conhecidas denúncias de favorecimento à sua própria igreja do prefeito Crivella, bem como o comportamento violento de Bolsonaro em nada se assemelha ao comportamento e ensinamentos de Jesus nas lições preciosas do Evangelho.

Portanto, o tal batismo da conversão bolsonarista no Rio Jordão não passou de mais uma notícia falsa. Não dá para glorificar!

Edição: Pedro Carrano