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Chiquinha, Regina e uma republiqueta chamada Brasil

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É possível afirmar que o sonho de "Chiquinha por uma república quase romântica, tornou-se nosso pior pesadelo" - Isac Nóbrega
Primeiro artigo de opinião para o BDF de Hermes Silva Leão, educador e presidente da APP-Sindicato

De janeiro a março de 1999, eu e dona Irma, minha saudosa mãe, não perdemos um capítulo da minissérie Chiquinha Gonzaga exibida pela Rede Globo. Muito bem produzida, a obra trouxe ao público brasileiro a trajetória de Francisca Edwiges Neves Gonzaga (Rio de janeiro, 17 out 1847, Rio de Janeiro 28 fev 1935).

Chiquinha entrou para a história brasileira como uma mulher de vanguarda, militante de causas importantíssimas como o abolicionismo, a defesa da república, a participação da mulher na política e nas artes, bem como contra o patriarcado e o machismo mais presentes naqueles tempos até que nos dias atuais.

As atrizes (mãe e filha), Gabriela Duarte (Chiquinha na juventude), e Regina Duarte (maturidade e velhice), em nada deixaram a desejar ao emprestar seus corpos para dar vida à persona memorável de Chiquinha. Desde que Regina Duarte aceitou o convite de Bolsonaro para ser secretária da cultura, uma cena da minissérie não me sai da cabeça. Trata-se do momento em que Chiquinha, banida da família pela postura independente, está reunida com um grupo de amigos debatendo as características da futura república brasileira. Chiquinha defende que precisa ser feminina, com muita participação e as mulheres podendo votar e serem votadas. Um amigo afirma que nem nos Estados Unidos isto era possível quanto mais no Brasil, que seria tão inusitado quanto uma mulher poder usas calças. Chiquinha rebate que então irá passar a usar calças imediatamente. É quando alguém, de forma estridente, entra na sala: - Gente, caiu a monarquia. Os marechais deram um golpe.

A cena corta para os anos 1930 em que Chiquinha bem idosa assiste a uma peça sobre sua vida. Em meio às cenas faz afirmações como: Já pude votar, mas quando Getúlio Vargas irá me permitir escolher o presidente? A república que sonhei jamais chegou, mas há de chegar, daqui uns vinte anos, quem viver comigo, verá! Ela faleceria pouco tempo depois, aos 87 anos de idade.
Temos aprendido, a duríssimas penas, que o processo histórico brasileiro é um ilustre desconhecido da ampla maioria do povo. As inumeráveis lutas de resistência são quase sempre colocadas à margem da história oficial. Nas escolas ainda são apresentadas de forma superficial e quase sempre como um processo descritivo com pouca interação e apreensão dos reais significados políticos e sociais para o país. Tomemos como exemplo a escravidão indígena e africana. A herança de mais de 350 anos de superexploração dessa mão de obra só foi aprofundada (ainda de forma insuficiente), a partir de janeiro de 2003, quando o então presidente Lula (PT), assinou a Lei 10.639, a primeira de seu governo. Essa lei foi modificada pela lei 11.645/2008, para instituir nas escolas os estudos da História e cultura indígena e afro-brasileira. A conquista dessas leis foram marcos históricos de imenso valor por representar o reconhecimento estatal do abismo do desconhecimento da história brasileira.
Voltemos à trajetória histórica da república brasileira e o sonho jamais alcançado pela memorável Chiquinha. Em todo ciclo histórico que se aproximou de algo semelhante ao que aquele grupo abolicionista que junto com ela desenhava uma república inclusiva, vem um golpe das elites sobre o povo, a mesmíssima cena se repete. Foi assim com Getúlio Vargas e sua defesa do petróleo, quando a elite o levou ao suicídio em 24 ago1954. O golpe civil/militar sobre o governo João Goulart e suas reformas de base em 31 março de 1964. E, em abril 2016, o golpe de Estado sobre Dilma Rousseff, para que o traidor Michel Temer implantasse um programa de destruição de direitos e das riquezas da nação brasileira. Golpe seguido da prisão sem provas do ex-presidente Lula, a fim de o retirar da disputa eleitoral 2018.
Nos dias atuais, a república do bolsonarismo é a materialização dos piores valores desta infeliz republiqueta em que nos transformamos, viramos vergonha mundial. É possível afirmar que o sonho de Chiquinha por uma república quase romântica, tornou-se nosso pior pesadelo nesses mais de 130 anos desde o dialogo da artista e seus amigos no ocaso do império brasileiro.
Claro que é lamentável também o retrocesso da atriz Regina Duarte. Me lembro da militância desta artista no PSDB, pedindo votos para Franco Montoro, Mario Covas, declarando em horário eleitoral o medo à vitória de Lula pedindo votos para Serra em 2002 e, mais recentemente, vestida de gari lavando uma praça do município de São Paulo com o então prefeito João Dória, hoje governador. Ao migrar do ninho tucano para expor em rede nacional seu preconceito e defesa da ditadura demonstra que apenas emprestou o corpo para viver Chiquinha. Nada sobrou dos ensinamentos daquela verdadeira guerreira que com seu “Oh abre alas, que eu quero passar”, destravou trancas para a luta das mulheres e homens em busca da liberdade.

 

Feliz Dia das Mães e todas as mulheres que lutam. Construamos uma república que seja Mátria e não Pátria!

 

Edição: Pedro Carrano