Rio Grande do Sul

Debate

Como será o mundo pós pandemia?

Debates mensais de conjuntura política estreia com o ex-governador Tarso Genro e o neurocientista Miguel Nicolelis

Porto Alegre | BdF RS |
Debates mensais de conjuntura política estreia com debate entre o ex-governador e ex-ministro Tarso Genro e o neurocientista Miguel Nicolelis, mediado pelo jornalista e escritor Fernando Morais - Divulgação

“Que mundo esperar depois da pandemia do coronavírus”, foi a principal questão apresentada pelo Debates mensais de conjuntura política do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito ao cientista Miguel Nicolelis e ao ex-governador Tarso Genro (PT) no debate realizado na noite de sexta-feira (17), através de live da Rede Soberania/Brasil de Fato RS no Facebook. O debate foi mediado pelo jornalista Fernando Moraes, do blog Nocaute, que também transmitiu a live, e pelo cientista político Benedito Tadeu César, representando o comitê.

Um novo mundo em todos os sentidos foi acordo dos dois, tanto no campo econômico quanto no político. Para Nicolelis, este é um momento único na história da humanidade. “Tenho comparado com a pandemia de 1918 e tudo se encaminha para isso, será um cataclisma mundial, e o que menos se fala é que as relações geopolíticas do planeta estão mudando a cada minuto. É como se a estrutura do planeta fosse um elefante sentado numa estrutura de cartas de baralho e o coronavírus tenha derrubado algumas. Tudo desmorona, aparecem todas as fragilidades. O livre fluxo de capital sem um livre fluxo de pessoas e um livre fluxo de governança. No momento cada país está olhando para sua própria sobrevivência. O processo de desindustrialização norte-americana e brasileira mostra as nossas fragilidades. Não produzimos máscaras”, destacou.

Segundo ele, que mora há 32 anos nos Estados Unidos, aquele país que se orgulha de hegemonizar o planeta está menos preparado que o Brasil para enfrentar a pandemia. “Aqui existe o Sistema Único de Saúde (SUS) que garante o acesso aos recursos de saúde e tem uma atenção básica montada. Lá, na cidadezinha onde eu moro, nem tem hospital, temos que ir a Nova Iorque.” Os Estados Unidos estão perdendo em vidas um número igual ou maior do que um “11 de setembro” diariamente.

Já, no Brasil, vivemos uma pandemia e o pandemônio ao mesmo tempo. “Somos o único país do mundo que cria uma crise institucional gravíssima para enfrentar junto com a doença. Entramos numa guerra de extermínio porque o vírus evoluiu para sobreviver a qualquer custo.  Enfrentamos uma pandemia com uma mensagem de manhã sendo desmentida à tarde. Sendo que o Brasil tem pesquisadores de referência no mundo. Nós temos cientistas, sanitaristas e um SUS que é nossa única grande barreira e que está sendo desmontado nos últimos quatro anos. A primeira lição da pandemia é que no século XXI, num mundo globalizado, você alienar seu arsenal científico é dar um tiro na cabeça. Isso aconteceu na Inglaterra, na Itália, nos EUA e está acontecendo no Brasil.”

O cientista antevê dois cenários possíveis: “uma guinada para um autoritarismo duro com um embate entre a China e os EUA. E o Brasil ficará sozinho, pois nenhum irá nos ajudar. O que nos salva é a exportação de proteína. Temos uma chance de um relacionamento geopolítico importante, não condenando o maior parceiro comercial do Brasil o único que pode nos ajudar. O segundo é que a economia é relegada para um quartinho dos fundos. Ainda dá tempo de escapar do abismo, mas está ficando cada vez mais próximo”.

Um cenário político caótico

O ex-governador Tarso Genro, por seu turno, observou que o cenário que vai se montar após a pandemia é um cenário caótico. “Podemos observar que os agentes políticos faziam intervenção coordenada, hoje temos uma organização política muito sofisticada no lado das classes dominantes globais que passa por um conjunto de entes que trabalham de maneira integrada. Sua comunidade está garantida pelo seu interesse econômico. No Brasil temos sujeitos políticos orgânicos, a mídia, dirigentes políticos e até os marginais fascistas. E por frações de partidos tradicionais que têm relações com o capital financeiro estruturado que permitiu que um bando de marginais chegasse ao poder no Brasil. E permitiu que chegasse ao governo uma pessoa insana e demente como Bolsonaro.”

Ele acrescentou que “no campo democrático temos ainda um grupo que não se comunica para enfrentar esta coalizão. Nós não temos mais a União Soviética e a Cortina de Ferro que   oferecia um respaldo. Depois da pandemia é provável que tenhamos uma reminiscência de um certo Keynesianismo para reorganizar um pouco a economia do país “.

Segundo Tarso temos um conjunto de partidos de esquerda que não se comunicam de maneira horizontal. “Os partidos, de maneira parcelada não tem capacidade de resposta, porque não chegam as massas. No período pós pandemia teremos que entrar para disputar. Hoje qualquer neoliberal é keynesiano porque sabem que precisam do Estado. Nós teremos que entrar neste processo de maneira diferente, os partidos não poderão disputar a hegemonia. Sem a composição a nossa situação política será também uma situação de derrota. As condições básicas de recomposição vão continuar no mesmo padrão.”

Ele falou ainda das mudanças no terreno tecnológico, num mundo onde as pessoas poderão continuar produzindo sem o trabalho tradicional e que isto já vinha ocorrendo antes da pandemia.

Um mundo governado por algoritmos

Sobre este tema Nicolelis expôs uma outra opinião. “Como vivo no mundo do desenvolvimento tecnológico, não acredito que a tecnologia é a solução. A natureza do trabalho como conhecemos mudou radicalmente. A disputa não é pelos meios da produção. Você vai poder produzir sem ter empregos. Será mais de 60 por cento de desemprego desejado pelo capital. O custo do trabalho pode ser reduzido a zero. Além do genocídio do trabalho como conhecemos, teremos a nossa imersão nestes algoritmos digitais que foram criados para controlar nossas vidas.”

Ele lembrou que a digitalização do tempo começa com a igreja católica criando as horas canônicas. Porém o cérebro humano não é digital ele é analógico. Quando você força vai alterar o cérebro humano. O que está acontecendo não é só a eliminação é a transformação da vida humano num algoritmo, com o capitalismo no controle.

O mediador Fernando Moraes provocou Tarso Genro lembrando que ele presidiu o Partido dos Trabalhadores, o segundo partido do mundo. “Como você vê o seu partido reagindo a esta advertência do Miguel Nicolelis. Nós do campo democrático estamos na idade da pedra lutando contra o Steve Bannon e a Analítics? Neste momento estão coletando dados na distribuição dos 600 reais, coletando dados para ganhar as próximas eleições”.

Comitê Científico para o Combate ao Coronavírus

Ao terminar a entrevista o neurofisiologista Miguel Nicolelis disse que nove governadores do Nordeste há duas semanas o convidaram para criar um comitê científico para enfrentar a pandemia naqueles estados. O comitê, cujo nome é Comitê Mandacaru, já está funcionando e teve a adesão de 700 pesquisadores que estão mapeando e estudando a disseminação do coronavírus no Nordeste brasileiro. Com base nos dados das secretarias de Saúde e através das linhas de ônibus eles montaram um modelo de acompanhamento do avanço da pandemia.

Confira a íntegra do Debates mensais de conjuntura política com debate entre o ex-governador e ex-ministro Tarso Genro e o neurocientista Miguel Nicolelis, mediado pelo jornalista e escritor Fernando Morais.

 

 

Edição: Katia Marko