Paraná

LITERATURA

O que nos machuca

Um conto da série textos da quarentena

Curitiba (PR) |
Nos machuca o voo cego deste barco raso. A falta de acolhimento - Pedro Carrano

Nos machuca o silêncio noturno do centro. Rompido pelos grupos que vagam pelas praças de abandonos. Nos machucam os gritos. Os conflitos ensurdecedores na madrugada sem tímpanos. Nos machucam os milhares de planos que fazemos, em meio ao pouco movimento, touros em círculo. Me machuca a manhã inédita de sol em Curitiba. Me machucam as mensagens de amigos. Nos machucam os que não compreendem o óbvio: o resguardo, o bem coletivo. Nos machucam as cicatrizes dos que foram sempre desprezados e agora são totalmente necessários. Nos machuca o germe do fascismo. Nos machucam a vela que busca a dança do vírus. Nos machuca o voo cego deste barco raso. A falta de acolhimento. Nos machuca a cegueira do nosso inimigo. Nos machucam a queda e a agonia de um modo de produção. Nos machuca a ausência de pão e pescado nas cestas. Nos machuca o anúncio do povo em parto sangrento. Nos machucam o capitão inverso no comando do país, a morte da tripulação no seu descaso. Nos machuca menos quando grito coletivo. Nos machucam as questões todas de nossa geração.

Nos machuca o ovo da esperança que virá ainda: Linda, viva e na forma de ferida.

Edição: Lucas Botelho