Rio de Janeiro

Futebol feminino

Opinião | Vocês sabem quantas mulheres a CBF tem nos seus cargos de diretoria?

A resposta é nenhuma, ainda que tenha espaço de sobra nas suas 12 diretorias e oito vice-presidência

Brasil de Fato (RJ) |

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Diretoria da CBF, toda formada por homens, presente em mais uma convocação da Seleção Brasileira de Futebol Feminino - Thaís Magalhães / CBF

Não tem muito tempo, este colunista se deparou com alguns tweets de um certo jornalista que reclamava da falta de notícias sobre futebol feminino após a Copa do Mundo da França, realizada no ano passado. Não foram poucas as vezes em que este mesmo jornalista usou o termo "oportunista" sempre que se referia a todos aqueles que acompanharam o Brasil no Mundial.

Nem preciso dizer que esse colega foi sumariamente rechaçado nas redes sociais e que o futebol feminino vem recebendo uma atenção enorme da imprensa esportiva apesar dos problemas que eu, você e todos aqueles que se dedicam a cobrir a modalidade conhecemos bem. Dito isto, passemos para outro tópico que ainda tem muito a ver com o tal “oportunismo”.

Vocês já devem saber que a CBF está trabalhando para trazer a Copa do Mundo Feminina de 2023 para o Brasil. A entidade havia manifestado esse desejo ainda no ano passado quando os números da audiência da modalidade cresceram exponencialmente após a realização do Mundial da França. Vale lembrar que a TV Globo, o DAZN e a Band também conseguiram ótimos números com a transmissão das partidas da Seleção Brasileira, do Brasileirão e da Libertadores Feminina. Ou seja, ao contrário do que alguns diziam, a modalidade dá retorno sim.

Bom, na última segunda-feira (2) a CBF enviou representantes para a UEFA para mostrar o que o Brasil pode oferecer. Eis que um tweet do jornalista Tariq Panja, do New York Times, chamou a atenção para um fato interessante. Ele dizia: "A Confederação Brasileira de Futebol veio à Uefa para tentar o direito de sediar a Copa do Mundo feminina de 2023. Só ficou faltando uma pessoa na delegação: uma mulher".

De acordo com o site Dibradoras, Tariq Panja explicou que os representantes de cada país eram predominantemente homens. A única exceção era a delegação japonesa, formada por duas mulheres e um homem. A CBF, por sua vez, argumentou que somente as pessoas diretamente envolvidas na parte técnica do projeto foram para enviadas para a UEFA e que somente quando e se o Brasil for confirmado como sede da Copa de 2023 é que a formação de um comitê será iniciada. Apenas Ricardo Trade, antigo CEO da Copa de 2014 e que agora comanda o projeto para sediar o Mundial feminino em 2023, e André Mengale, diretor de comunicação da entidade, estiveram na UEFA. Fernando Sarney, vice-presidente da confederação, também esteve na reunião, mas como membro do Conselho da FIFA.

A CBF também reforçou às Dibradoras que incluiu depoimentos de Marta e Formiga e da técnica da Seleção Feminina, Pia Sundhage na apresentação e que há muitas mulheres participando do projeto para receber a próxima Copa, mas não especificou quantas e quem são essas mulheres.

Agora é que as coisas ficam mais interessantes. Vocês sabem quantas mulheres a CBF tem nos seus cargos de diretoria e vice-presidências? Nenhuma nas suas 12 diretorias e oito vice-presidências. E isso numa gestão que colocou a questão da representatividade como um dos seus pilares centrais.

É preciso deixar claro que ninguém quer que a CBF pegue duas ou três mulheres e as coloque como figura decorativa na reunião da UEFA. Mas um projeto dessa magnitude (além, é claro, de todo o trabalho dentro do futebol feminino em todas as suas esferas) precisa ter mulheres tomando decisões e tomando a liderança nessa empreitada. E bons exemplos não faltam por aqui.

Vamos falar da ex-jogadora Aline Pellegrino, que realiza um trabalho fantástico na coordenação de futebol feminino na Federação Paulista. Além da promoção do campeonato estadual (o mais forte do Brasil), ainda temos a realização de peneiras, eventos com as jogadoras, campanhas de conscientização contra o preconceito e a favor da diversidade e uma divulgação ampla das partidas com transmissão nas redes sociais.

Vamos falar da grande Sissi, camisa 10 da Seleção Brasileira nos anos 1990 e 2000 (pouco antes de Marta surgir para o futebol feminino). A canhotinha mais habilidosa que este já viu em campo empresta seu talento e seu amplo conhecimento em trabalhos magníficos nos Estados Unidos com jovens que também querem se transformar em novas Martas, Formigas e Cristianes.

Vamos falar também de Tatiele Silveira, treinadora da Ferroviária de Araraquara e atual campeã da Série A1 do Brasileirão Feminino. Tatiele vem de ótimas passagens por diversos clubes do país e mostrou mais de uma vez como aproveitar talentos dentro e fora de campo com qualidade e eficiência.

E ainda temos Pretinha, Michael Jackson, Márcia Taffarel, a professora Helena Pacheco e várias outras mulheres que poderiam muito bem fazer parte desse projeto e ocupar cargos de comando no futebol feminino. Mulheres que já provaram mais de uma vez seu talento dentro e fora de campo. Mas isso não parece ser suficiente para a CBF.

Comecei essa coluna falando de oportunismo. E pelo que se vê até aqui, esse é o grande mal do futebol feminino. Oportunistas que se aproveitam do sucesso da modalidade para conseguir esta ou aquela "boquinha". Oportunistas que ocupam cargos de comando na CBF, nos clubes e confederações e que interferem diretamente na gestão da modalidade. Oportunistas que usam o futebol feminino para aparecer como bastiões da moralidade hipócrita que assolam a imprensa esportiva desse país. Oportunistas que falam todos os dias em "igualdade de gênero, combate ao assédio e equidade plena", tal como diz o documento da CBF enviado à FIFA para a candidatura à Copa do Mundo.

E como bem observou Rafael Alves, editor chefe do site Planeta Futebol Feminino, vale aqui um alerta: se ainda assim, mesmo com todos os problemas apontados, o Brasil for escolhido como sede da Copa do Mundo de 2023, é motivo pra desconfiar (e muito) de tudo o que foi dito pela UEFA e pela FIFA nos últimos anos. Logo essas duas entidades que tem mostrado que a discussão sobre futebol e gênero estão muito mais avançadas do que aqui.

Edição: Mariana Pitasse