Rio Grande do Sul

Teatro

Teatro, flamenco e resistência: quando o palco se abre ao ativismo

O BdF/RS entrevista a atriz Juliana Kersting, que estreia peça nesta terça-feira

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Cena da peça Dunke, em cartaz na programação do Porto Verão Alegre - Adriana Marchiori As fotos do É Proibido Miar são da Luciane Pires.

Tacones reverberam a rebeldia de uma mulher enclausurada em uma cela toda branca, torturada nessa agonia. Quatro anos, o fim da vida de uma ativista social e política que lutou pelos direitos humanos na década de 60 e tornou-se um dos ícones femininos do século 20: Ulrike Meinhof, a quem o poeta Erich Fried chamou "a maior mulher da Alemanha desde Rosa Luxemburgo". Morreu na prisão em circunstâncias jamais elucidadas.

Pandora abre sua caixa e de lá, por um tempo não sai nada, ou melhor, sai o silenciamento, invisível, abafado. Esconde atrás de si a violência histórica, assédio, destinados a um único gênero. Passa o tempo e saem também os gritos de protesto, sai a resistência, sai uma nova mulher, para uma nova geração.

Em outra vez, a menina que queria dançar na ponta dos pés, vê seu mundo girar em uma bata de cola. A sapatilha de ponta dá lugar aos sapatos de tacón. O mantón vai descortinando histórias das mulheres da família, pisando ora fortes, com movimentos suaves. Na poeira levantada pelo sapateado, outros temas são contados, das muitas mulheres que continuam a ser assediadas, silenciadas e vulnerabilizadas.

A atriz e realizadora Juliana Kersting, dá vida às mulheres retratadas nas peças Lilith, No Te Pongas Flamenca - que já passaram pelo Porto Verão Alegre -, e Danke, que conta a vida de Ulrike Meinhof. e estreia nessa terça-feira (11), permanecendo até quinta (13) em cartaz na sala Álvaro Moreira.

O Brasil de Fato RS conversou com a atriz sobre essas mulheres, o envolvimento do flamenco, e dos aprendizados advindos dessa imersão. Ulrike certa vez disse: “Protesto é quando eu digo que algo me incomoda. Resistência é quando eu me asseguro que aquilo que me incomoda nunca mais acontecerá”, é isso que Juliana pretende transmitir.

 


 


Cena da peça Danke, trata dos quatro anos que a jornalista e ativista alemã Ulrike Meinhof esteve na prisão. / Foto: Adriana Marchiori

Brasil de Fato RS: Tu poderias falar da peça Danke e como chegastes até ela?

Juliana Kersting: A peça é baseada no texto “Eu, Ulrike? Grito…” de Dario Fo e Franca Rame e vai relatar os últimos instantes da Ulrike Meinhof, no presídio de Stammheim, na Alemanha. Ficou presa quatro anos, sendo que no primeiro ano em cela onde foi submetida a tortura branca: uma solitária toda branca e silenciosa, com a luz acesa o tempo todo. Essas foram as condições de tortura que ela foi submetida, e foi encontrada morta em 09 de maio, de 1976, enforcada. Até hoje as condições da morte não foram explicadas. O que se diz é que, assim como os que depois se mataram, Andreas Baader, Gudrun Ensslin em uma tentativa de suicídio, ela teria feito o mesmo.

Cheguei a ela de uma forma enviesada. Esse trabalho é o meu projeto de graduação apresentado em 2004, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Faculdade de artes cênicas. A minha ideia na época era falar sobre as ditaduras na América Latina, para isso ia usar textos do Eduardo Galeano. A minha ideia era a pegar o livro As Caras e as Máscaras, que vai falar de uma era pré-colombiana e fazer um contraponto com o Dias e Noites de Amor e Guerra, e com o livro dos Abraços, entre como era, um espaço mais idealizado e mítico, e como aconteceu. Não consegui finalizar essa dramaturgia. Em uma aula de pré-projeto, o professor Irion Nolasco indicou esse texto, do Dario Fo e Franca Rame, sem dizer quem era a personagem, sem dar autoria. Fui pesquisar, ver de quem era esse texto, e, coincidentemente, quando estava pesquisando era no Dia das Mães, e o texto falava que ela havia sido encontrada morta no Dia das Mães do ano 76, Ulrike Meinhof. E foi ai.

Descobri quem era a autora, comecei a fazer uma pesquisa. Isso foi no início de 2004, na época a maior parte do material era em alemão ou inglês. Fui ter acesso de verdade junto com o Instituto Goethe. A gente foi buscando, remexendo e conseguindo ter mais material para falar sobre ela, porque até então, o que tinha eram coisas mais pops, sobre o  Baader-Meinhof, da qual ela fazia parte. As referências eram poucas.

Estreei, em 2006, em 2008 foi lançado o Complexo Baader-Meinhof,  em 2011 o filme,  Se Não Nós Quem? que vai falar da Gudrun Ensslin. Começou a aparecer mais materiais sobre ela e o período.

BdFRS: Ao se procurar informações sobre a Ulrike Meinhof ela é posta como uma jornalista, escritora, ativista até ser tachada como terrorista. Nas tuas pesquisas, quem é a Ulrike?

Juliana: Ela foi taxada de terrorista na época. Saiu de uma zona em tinha um certo conforto, de uma classe média alta, na década de 60. Já escrevia os editoriais da revista Konkret. Era uma pessoa polêmica e não muito bem quista pelo governo ou por alguns congressistas, e tinha sofrido alguns processos. Antes dela se juntar a Fração do Exército Vermelho (RAF) fez um documentário com jovens infratores e sobre a reinserção na sociedade.

Ela já tinha posicionamento feminista, conectado com as questões sociais, havia um movimento contra a Guerra do Vietnã. E havia um medo muito grande que o nazismo voltasse para Alemanha. Os partidos de direita vinham assumindo com força novamente, e vinham comprando muito o discurso americano, com relação a Guerra do Vietnã. Diante disso veio essa resposta muito forte da esquerda daquela época.

Acaba se radicalizando cada vez mais. Ela forjou uma entrevista com o Andreas Baader para fazer a fuga dele, e naquela dúvida se seguia ou não, decide se juntar a eles e passa a fazer parte da RAF. 

Quando eu comecei a divulgação, tentava não usar a palavra terrorista, exatamente para não reforçar o estereótipo. Trabalhava e trabalho ainda a ideia da ativista, de guerrilheira. Nos dias de hoje ser jornalista é quase fazer uma guerrilha. Não reforçar essa ideia do que um terrorista e criar um temor, e nem romantizar essa figura.


No Te Pongas Flamenca: o flamenco como propulsora sobre teatro e resistência. / Foto: Adriana Marchiori

BdFRS: Tu, nessa edição do Porto Verão Alegre, está com mais três peças, como o No te Pongas Flamenca, que apresentastes na semana passada. Fale um pouco sobre ela.

Juliana: Eu já participei de outras outras três em janeiro. A peça Mulheragem, Lilith - que é uma outra peça feminista, com a mesma diretora do No Te Pongas Flamenca, Larissa Sanguiné, o Flamenco Imaginário, É Proibido Miar e Danke.

O No Te Pongas Flamenca é a minha pesquisa de mestrado. A minha ideia inicial era trabalhar a mescla entre teatro e o Flamenco, e a medida que entrei fui me reciclando. Fazia 14 anos que eu estava fora da universidade. Comecei no movimento muito grande de ler, conversar, participar do seminário e congresso. Naquele giro eu fui vendo que precisava ter temática um pouco mais consistente para fazer esse meu trabalho. Sim, o discurso e a dramaturgia poderia ser de movimento e ser conectada a um teatro mais físico e ao Flamenco, mas eu vinha assistindo coisas que estavam me provocando muito. Por exemplo, assisti o espetáculo Todas Nós, da Iassanã (Iaiá) Martins em parceria com a Juçara Gaspar. Me cativou e inspirou muito a pensar na minha mãe, a pensar nas mulheres da minha família. A questionar meu corpo também, de ser uma mulher grande e fora dos padrões, mas ao mesmo tempo dentro do padrão. Então quais são os padrões? O que são esses padrões comportamentais que a gente fica sempre correndo atrás e que a gente nunca vai chegar?

E me vendo nessa situação também, disse: “eu quero falar de mulheres”. Eu tinha uma gana de falar das figuras da rainha, ou da guerreira ou da mãe. Buscando as figuras que as representasse percebi a rainha na minha vida, minha mãe; as guerreiras na minha vida, minhas tias-avó, a minha avó. Mãe... eu sou mãe, que mãe que eu sou, como é a relação com a minha filha? E daí comecei a entrar nisso, ia pegar histórias da minha infância, relação com elas, que mulheres foram, coisas que aconteceram na vida delas, e junto disso casou muito dentro os discursos feministas e os discursos decoloniais.

Peguei essa busca de novas narrativas, esse reconhecimento de outras epistemologia, o repensar a subjetividade, como é construída e como é que eu, com a minha prática de artista, com as minhas colegas, com o meio que eu vivo, consigo também fazer isso parte do meu trabalho, meu cotidiano. Eu entrei uma pessoa em agosto de 2017, e sai outra em 2019, porque foi um momento de imersão e questionamento. Eu tenho que olhar para essas mulheres, contar as suas histórias, trazer outra narrativa de como a gente vai pensar os conhecimentos delas, por que a gente sempre vai ficar sempre atrás do conhecimento hegemônico do homem branco, europeu? Todo esse monte de falas que vem acontecendo, vai perdendo a força, como as palavras empoderamento, resistência vaõ perdendo força. Como então se consegue transformar isso em prática? Isso me impulsionou.

Não te Pongas Flamenca parte de uma expressão espanhola que pode ser entendida como “não fica brabo, com raiva”. Trago isso para a peça como um chiste, algo como: “não fica brabinha, histérica, te acalma”. Entra como um chiste, um trocadilho, que é o que a gente geralmente escuta: “Ah, acho que tu não entendeu o que eu quis dizer, acho que tu tem que ter calma”, aí nesse momento tu já está subindo por dentro, já tá por dentro, arranhando a cara”, mas a gente tenta ser pedagógica. Ultimamente tenho pensado muito mais pelo afeto do que pelo enfrentamento.

No No te Pongas eu coloco tudo que eu trouxe da minha bagagem como artista, desde quando eu comecei a bailar Flamenco, em 95, que foi uma opção, porque a minha família não queria que eu fosse bailarina, porque era caro, porque eu era muito grande, porque não tinha como levar, porque era uma coisa muito elitista. E eu fui para o flamenco porque era um lugar que eu me sentia acolhida.

BdFRS: Sobre o flamenco, assim como outras expressões musicais e culturais, ele traz ainda algo do machismo...

Juliana: O Flamenco, ainda que seja um meio machista, no Brasil é majoritariamente feito por mulheres, e acaba acontecendo muito mais pelo viés da dança do que por um Flamenco enquanto linguagem, que tem dança, canto e guitarra, que é o seu pilar. A expressão dele vai acontecer com essa junção, nesse tripé. Aqui no país acaba se reproduzindo como subsistência, de existência também, e acaba acontecendo e se mantendo nas escolas de dança. Porto Alegre é um celeiro do Flamenco no Brasil, tem ótimos bailaores e bailaoras com reconhecimento nacional. Para citar alguns, a Andreia Del Puerto, que foi a fundadora da escola de Flamenco Del Puerto, da qual fui sócia até 2018, a Juliana Prestes, que já ganhou o prêmio Açorianos duas vezes como melhor bailarina, a Daniele Zill, bailaora e pesquisadora, Gabriel Mathias, bailaor, que agora está em Madrid, Giovani Capeletti, guitarrista.

O flamenco é muito potente e a maneira dele existir é nesse meio de mulheres. Tem um documentário, que a bailaora Graziela Silveira me passou, chamado Flamencas, mujeres, fuerza y duende, onde as artistas do flamenco falam sobre o meio, e quão machista ele é. As mais antigas vão dizer, “é assim, é exatamente assim que as coisas são, eu cuido da minha casa, eu cuido da estrutura, e os homens fazem essa frente”. Enquanto tem outras que estão dizendo “não, eu não quero mais ter que pedir licença, desculpa, por favor para existir, para fazer meu trabalho, eu tenho que ser respeitada”.

Existe um movimento feminista dentro do flamenco que vai reescrevendo as letras, de registrar as narrativas que já foram escritas, reconhecer e produzir mais, de fomentar, e resignificar as letras de Flamenco machistas.

Nas minhas peças o flamenco entra com a potência dramática que ele tem, eu remonto a minha trajetória como artista e lanço mão de tudo que eu tenho de recursos, vou trabalhar com o teatro, bailar, cantar o que eu tenho de Flamenco e trago tudo para cena, são as minhas ferramentas, e o reconhecimento também dos espaços, da subjetividade que constitui, as epistemologia que fui percebendo e reconhecendo. 


Cena da peça É proibido Miar. / Foto: Luciane Pires

BdFRS: Outra peça que aborda a temática que envolve o mundo das mulheres é a peça Lilith, não?.

Juliana: É um trabalho que foi concebido pela Larissa Sanguiné em seu projeto de graduação. É uma plataforma performativa onde ela se inspirou no mito da Lilith e da Pandora, e do que essa trazia dentro da sua caixa. Essa é uma das perguntas provocadoras para a criação. O que tu traz dentro da tua caixa de Pandora, o que que tu quer falar, o que passa por ti e tu quer trazer para fora.

Do meu ponto de vista é falar sobre a violência sofrida, do silenciamento, da invisibilização, da clandestinidade, da objetificação da mulher. Como se propõe como uma plataforma performativa ela acontece como uma ocupação, onde tem a mobilidade de artistas e do público, uma estrutura já concebida, mas em que é possível agregar novas performances. E onde o público tem oportunidade de andar por qualquer lado. Ela é provocativa, densa.

BdFRS: Como levar essas questões, como a violência contra a mulher, o silenciamento,  para o teatro?

Juliana: Patricia Fagundes, minha orientadora no mestrado, falava: “Como é que a gente faz um teatro para falar das mulheres que te formaram, que abriram a porta para tu passar?” Como é que eu vou falar delas sem reforçar a violência sofrida? Como eu falo dela sem reforçar a invisibilidade. Eu vou colocar uma mulher em cena apanhando? Como eu vou dispor o público, outra seara danada.

Pensamos muito na dramaturgia do No te Pongas, como tirar essas mulheres do papel de vítima, porque deu, chega, vamos parar de reforçar essa vitimização. A gente é muito mais que uma coisa maniqueísta, é muito mais complexo. Diante disso fica o questionamento, como sair e levantar outras bandeiras? Por exemplo, eu faço uma cena no No te Pongas Flamenca, que é a do assédio, onde começo a sapatear e vou falando: “quando eu tinha 10 anos sofri esse assédio, quando eu tinha 12 sofri esse, quando tinha 15 sofri esse, 16 esse”, daí entra um áudio que vai dizer “quando eu tinha 18, quando eu tinha 19” e aquilo vira um rolo compressor, eu vou aumentando a velocidade do sapateado, até que no fim eu termino a cena sapateando, faço um fechamento, e digo: “maldita saia”.

Porque em um dos depoimentos que eu tenho gravado, vou dizer que passaram a mão em mim por causa da saia que estava, por causa do horário que era. E na cena em que digo “maldita saia”, eu digo também, “te acalma, é mimimi, a gente se acostuma, com o tempo a gente se acostuma”. Até que eu olhei para minha filha, e pensei: “Não mexe com ela!”, e vou fazer essa volta, e aí vou começar a falar da minha relação com ela, do quanto eu já conversei com ela pequena, e disse, “minha filha tu vai se acostumar com o mundo, o mundo é assim”, e hoje eu olho para ela e digo “não, não quero que tu te acostume, tu não vai te acostumar com isso, de sair na rua e ficar com medo, não poder escolher a roupa que tu vai usar, a não sair com as pessoas que tem vontade de andar, a ter medo da violência”. Pensar isso dentro do coletivo.

Foi a forma que encontrei de pegar uma cena, que no primeiro momento dizia, estou entrando como vítima, e faço a virada de chave. Da mesma maneira a relação que eu tenho com a minha mãe, que meu irmão mais velho era paralisado cerebral. Chegou um momento na vida dela que ela não tinha mais condições de cuidar dele porque entrou numa depressão profunda, tinha dor profunda pelo corpo e entregou o meu irmão para o meu pai. Anos depois meu irmão faleceu, no dia do enterro dele, ela não queria ir porque sabia que iam apontar o dedo para ela, e apontaram, “tu abandonou, onde já se viu fazer isso, tu é uma mãe desnaturada”, e eu vou fazer essa cena dizendo isso, sentando o pé no chão, e agora vão aplaudir porque ela escolheu o caminho da vida dela, como traz para cena, mas do jeito vamos olhar para o que é potência.

BdFRS: Como tu avalias o cenário atual do teatro, da cultura?

Juliana: A gente vem perdendo muito nos últimos anos. 2015/16/17/18/19... a situação vem ladeira abaixo. É desesperador, dá uma desesperança horrível.

Em Porto alegre, o Funproarte não existe mais, apesar de ser lei. Porto Alegre em Cena também diminuiu horrores. Descentralização da cultura, que era um projeto incrível, está à míngua. Só aí temos três projetos que eram e são incríveis e que estão completamente defasados. 

O Estado de certa forma ainda tem o FAC que dá uma sustentada na situação. Os teatros estão conseguindo se manter, graças também às direções. Clóvis Rocha, no Teatro de Arena, que está com uma campanha crowdfunding de financiamento para revitalizar o espaço, Jessé Oliveira, na Casa de Cultura. 

Mas enquanto estiver desmontando a educação, tu vai estar desmontando cultura. As duas andam juntas. Não adianta eu querer fazer uma peça de teatro e vou apresentar numa comunidade de periferia se aquela criança não toma café da manhã. Se tu desmonta a escola, o que ela vai querer saber sobre Cachorro que Mia (peça)?

No quesito Federal é vergonhoso. A Funarte desmanchou, é tristíssimo essa construção de narrativa de que nos últimos 10 anos a arte foi uma ferramenta do comunismo. As palavras que eles, da construção de uma cultura nacional, um absurdo. E não é loucura, não é ignorância, é uma escolha de narrativa. Aí no momento que estamos vivendo, aonde eu estou lá, pensando feminismos, pensando movimento decolonial, pensando também outras narrativas, reconhecimento de outras narrativas, esse movimento de extrema-direita entra também questionando, querendo botar suas narrativas. Para eles derrubarem o que eu estou propondo é muito fácil. É muito complexo isso, porque eles estão querendo se botar de igual para igual, dizendo que é mimimi o que estamos fazendo, que não pode isso, não pode aquilo. O que é isso? Botaram os fascistas para fora do armário.

Eu já viajei com a Del Puerto pela Funarte, e o que vivemos agora é muito triste. O que eu acho muito delicado, não é uma cortina de fumaça, é exatamente o que eles acreditam, o que eles querem colocar e apresentar para torcida deles, e enquanto isso vai correndo por fora com uma política liberal. Vão aqui provocando as pessoas da esquerda, as pessoas que não são necessariamente de esquerda, mas que não concordam com esse governo. Vão nesse estica e solta como faz com a educação, por exemplo, “ah não era um corte de verba, era um contingenciamento”, um modus operandi que é assim, e a gente tem que encontrar as nossas frestas para existir.

Tem uma professora, Cláudia Zanatta, da UFRGS, que fala do inço na cidade, como é importante e interessante a presença do inço, porque ele surge e nasce em qualquer lugar, pode ter cimento, vai aparecer um pedacinho de inço. Aquele inço vingou, é quase como se fosse uma forma da gente vingar, no sentido de dar certo. Estamos em um momento em que temos que ser inço para continuar vingando, eu existo, estou aqui.

Acho que o nosso movimento agora e o Porto Verão Alegre está muito grande, acaba esvaziando alguns teatros, mas mostra toda expressividade que tem de artistas em Porto Alegre, nos meses de janeiro e fevereiro pelo menos, uma amostragem incrível. Eu pego esse folheto do projeto e saio distribuindo como uma Testemunha de Dionísio, eu saio distribuindo a palavra do teatro. Mesmo que as pessoas não venham até o teatro, elas vão abrir, vão olhar... “Tudo isso”? Em Porto Alegre? De onde estão saindo esses artistas? Essa gente existia? Mas não acabou a mamata (deboche)?” Trabalhei em um projeto incrível, durante quatro anos, com lei Rouanet, extremamente sério. 

BdFRS: Conte um pouco da tua trajetória.

Juliana: Comecei a dançar flamenco em 95. Em meados de 97 eu integro o grupo Jaleio, com a Silvia Canarin, Andreia del Puerto, Fernando Marília e Estela Rocha, até 99. Faço o meu primeiro curso de teatro em 99. Depois, em 2000, ingresso na faculdade de Teatro, na UFRGS. Entrei com uma desculpa de que queria melhorar minha performance no Flamenco, mas na verdade eu queria ser artista, e nada melhor do que para um pai militar e para mamãe professora, tu estar na UFRGS, mesmo que seja para fazer teatro.

O Departamento de Arte Dramática (DAD) da UFRGS foi minha incubadora, foi onde eu tive contato com as primeiras teorias, os primeiros professores, os primeiros amigos. O Denis Gosch que é o meu compadre, Daniel Colin com quem eu trabalho até hoje, e todo um povo da geração de 2000, 2001 e 2002. Todo meu network aconteceu dentro do DAD. Depois me formei em 2004 com o Danke, boto ele para rodar.

Trabalhei com o Jessé Oliveira, no grupo Corpo Estranho, com o Oigalê, 2011. De volta para escola de flamenco Del Puerto e trabalhei com elas até 2018, fazendo parte da companhia como artista e não mais como administradora. Trabalhei com o Sarcaustico, com o Motote, com a Cena Expandida, agora a Má Companhia Teatro, Dança, Assemelhados com esses espetáculos que estão em cartaz no Porto Verão Alegre, o Coletivo Quantico, fundado pela Larissa e pela Vitória.

E volto para para mestrado em 2017 para retomar essa minha a vontade, que desde que eu ingressei na UFRGS em 2000 já queria, misturar um pouco de Flamenco com teatro. No Danke eu misturo um pouquinho para fazer as máquinas, uma máquina de escrever, depois a máquina de rebeldia Ulrike. E no mestrado eu mexo nesse caldeirão para ver o que acontece.

 

Edição: Marcos Corbari