Minas Gerais

Brumadinho

Atingidos pelo crime da Vale apresentam sintomas semelhantes aos da Bacia do Rio Doce

Frente aos problemas de pele, náuseas e dores causados pela água contaminada, atingidos propõem plano de ação da Saúde

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Moradores de Brumadinho sentem dores fortes na barriga, diarreia, náuseas e manchas na pele
Moradores de Brumadinho sentem dores fortes na barriga, diarreia, náuseas e manchas na pele - Filipe Chaves/Mídia Ninja

Os problemas de saúde da população atingida pelos rompimentos de barragens da Vale em Brumadinho e da Samarco (Vale/BHP) em Mariana, foi o tema de debate ocorrido nesta quarta (22), em Juatuba, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A atividade faz parte da Marcha dos Atingidos, que desde a última segunda (20) percorre municípios por onde passa o Rio Paraopeba, destruído pela lama de rejeitos da mineradora.

Os diversos relatos apresentados apontam para os mesmos sintomas: coceiras e infecções na pele, diarreias, queda de cabelo, aumento nos índices de abortos espontâneos, gastroenterite, disfunções cardíacas, além de questões psicológicas, como depressão, ansiedade e insônia. Na bacia do Rio Doce, segundo José Geraldo Martins, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), esses sintomas foram catalogados pelos órgãos de saúde nos últimos quatro anos, desde que a barragem de Fundão rompeu em Bento Rodrigues. A medida encontrada pelos atingidos, e recomendada pelo Ministério Público, é a readequação dos Planos Municipais de Saúde.

“O que nós observamos, inicialmente, é que a população começou a apresentar diversos problemas de saúde após a lama. Mas, ao chegar nas unidades de saúde, os profissionais não tinham um olhar específico para a contaminação, tratava o problema de pele com corticoide, a insônia com ansiolítico e assim por diante. A nossa atuação junto às instituições levou à necessidade de adequar o plano de ação da saúde, para quando um atingido chegar no posto de saúde, o médico ter em mente que os problemas podem ser decorrentes da inalação da poeira, da contaminação do rio, do consumo de alimentos contaminados por causa da água do rio”, explica.

Márcia Maria Lima, também militante do MAB, é atingida e moradora de Colatina, no Espírito Santo. Ela conta que, na cidade, que possui cerca de 130 mil habitantes, aproximadamente 90 mil pessoas foram atingidas diretamente, uma vez que a contaminação da água pelo rejeito prejudicou o abastecimento na cidade. No processo de construção do Plano Municipal de Saúde ela visitou bairros e percebeu a repetição dos sintomas. “Eu fiquei internada com gastroenterite duas vezes. Na minha casa, minha nora sofreu dois abortos, um de três meses e outro de cinco meses. Essa é minha realidade. Mas quando eu fui rodar nas comunidades, para ajudar a construir o Plano Municipal e Saúde, essa visão se amplificou. Não era só a minha família, o povo todo está passando por isso”, comenta.

A experiência dos atingidos na bacia do Rio Doce pode servir para adiantar o tratamento dos atingidos da Bacia do Rio Paraopeba. Segundo José Geraldo, a reivindicação é que as mineradoras responsáveis pelos crimes arquem com o aumento das despesas no Sistema Único de Saúde. “Partindo do princípio do poluidor-pagador, é justo que elas paguem. Esse aumento não pode ser cobrado de toda a população”, defende.

Mesmo sintomas

Apesar de ainda não terem sido sistematizados os sintomas provenientes da lama que saiu da barragem da Vale em Córrego do Feijão, moradoras de Juatuba relatam situações parecidas. Canaã da Silva Farias, que é auxiliar de cozinha, conta que ela e seus familiares se queixam de dores fortes na barriga, diarreia, náuseas e manchas na pele. “Eu já fui internada com esses sintomas, não só eu, mas meu filho e meu sobrinho, porque a gente toma a mesma água e todo mundo sente a mesma coisa”, descreve.

Ela, que era pescadora, também narra que no dia do rompimento, em 25 de janeiro de 2019, estava se preparando para ir ao Rio Paraopeba pescar, quando soube da notícia pela televisão. “A gente não tinha noção do quão sério era. Antes, a gente pescava, se alimentava, vendia o peixe às vezes, compartilhava com os amigos o alimento. Depois do rompimento a gente nunca mais teve essa alegria”, lamenta. Hoje, ela e seus vizinhos captam água da chuva para consumo.

Em Juatuba são aproximadamente 11 mil atingidos, contando o raio de um quilômetro da beira do Rio Paraopeba que corta o distrito de Francelinos e o bairro Satélite. “O impacto aqui é muito grande. Assim como em outros locais, pessoas tiveram problemas com a criação de animais, muitas não podem continuar com suas atividades agrícolas. E nós tínhamos uma área de turismo com muitos sítios que eram alugados nos fins de semana e nas férias”, relata Joelisia Feitosa, moradora da cidade. Segundo a funcionária pública, após o rompimento, houve uma redução drástica no número de turistas, que impactou a economia local e causou uma diminuição na renda das famílias. “Além disso, perdemos o espaço de lazer. As pessoas são pobres, carentes, não têm condição de investir em lazer,  e o rio era um lazer gratuito e a gente perdeu”, conta.

Edição: Joana Tavares