Realizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em parceria com organizações da sociedade civil, a campanha “Sangue Indígena: Nenhuma Gota a mais” chegou à Europa levando denúncias de ataques ao povo indígena e contra a floresta Amazônica, pelo governo brasileiro.
De 17 de outubro a 20 de novembro, uma comitiva de lideranças indígenas visitou doze países europeus para denunciar as violações contra os povos indígenas e o meio ambiente do Brasil, desde a posse do presidente Jair Bolsonaro.
A comitiva, composta por Sônia Guajajara, Alberto Terena, Ângela Kaxuyana, Célia Xakriabá, Dinaman Tuxá, Elizeu Guarani Kaiowá e Kretã Kaingang, buscou espaços de diálogo e ações de impacto junto à opinião pública europeia para chamar a atenção do mundo para o momento grave que o Brasil vive. Outro objetivo era informar autoridades sobre a origem dos produtos brasileiros que são produzidos em áreas de conflito ou em terras indígenas.
O Cacique Romancil Kretã, da Aldeia Tupã Nhe'é Kretã, de São José dos Pinhais (PR), participou de um evento em Curitiba, no dia 16, para relatar as viagens e a continuidade da campanha. Em entrevista para o Brasil de Fato Paraná, ele -- que integra, pela Região Sul, a APIB -- salientou a importância da divulgação destes atos para fortalecer a luta do povo indígena. Confira:
Brasil de Fato Paraná: Qual era o principal objetivo e quais foram os resultados destas viagens pelos 12 países europeus?
Cacique Kretã: Deliberamos em dois encontros importantes nossos, no Acampamento Terra Livre, que acontece desde 2004, e na I Marcha das Mulheres Indígenas, que precisávamos ir até a Europa, porque se trata de um continente que influencia muito as políticas no Brasil, além de manter relação econômica com o Brasil.
O objetivo era conscientizar empresas sobre o investimento no Brasil, destacando que podem estar contribuindo com o extermínio do povo indígena, além de denunciar todos os ataques que estamos sofrendo, desde as queimadas na Amazônia, as invasões nos territórios indígenas, os garimpos ilegais, o genocídio do povo indígena desde o primeiro dia do governo Bolsonaro.
Assim, uma comissão, representando a Articulação dos Povo Indígenas do Brasil (APIB), viajou por 12 países e 20 cidades europeias. Nestas, além de lideranças políticas, parlamentos, com o Papa e conversamos também com empresas que compram produtos brasileiros e vendem também -- desde minérios, soja transgênica, alumínio, petróleo, gás, cacau, entre outros.
Neste sentido, sentamos com essas empresas, como por exemplo, a Bayer, que infelizmente tem contribuído com a venda de agrotóxicos. E falamos para eles que, por favor, repensassem o investimento aqui no Brasil, porque do jeito que está, o rumo é acabar com a Floresta Amazônica, causando o extermínio do povo indígena.
Para nós, já não dava mais ficar aqui denunciando e morrendo. Era necessário olho no olho relatar o que vem acontecendo, inclusive, com participação deles, os europeus. Ninguém deixou de nos receber. Foi e continua sendo muito importante continuar divulgando isso tudo para fora do Brasil. Muitos se comprometeram a rever suas políticas e ganhamos repercussão internacional do que vem acontecendo aqui no Brasil.
Como será organizada a resistência aqui no Brasil para 2020 diante de tantos ataques?
Durante essa viagem, quando denunciávamos os genocídios do povo indígena, morreu mais um dos nossos, o Paulo Guajajara. Isso acontece sempre, mas na atual conjuntura há um descaso e interesse do atual governo que essa situação assim continue. Nós estamos nos preparando para 2020, temos nosso planejamento e estratégia. E vamos anunciar no ano que vem. Não tem como fazer anúncio antes porque estamos passando por um momento muito difícil, de cooptação de lideranças indígenas pelo governo. Estão criando organizações onde nunca tivemos resistência. Mas o mais importante é saber que estamos no lado certo.
Como é para você ter que sair do seu país para denunciar essa situação em pleno 2020, quando estão matando seu povo?
Muito doloroso. Fui uma criança indígena que perdi meu pai cedo por causa da luta pela terra. Meu pai, o Cacique Ângelo Kretã, foi um dos principais lideres na época da ditadura militar, foi vereador e, infelizmente, morreu por ser um defensor do nosso povo. Só eu sei o que é se criar sem meu pai. Minha mãe me criou, meus avós que me ajudaram e me tornei liderança e então, apesar da dor, o foco é nossa resistência. Nossa resistência nunca parou, vem de mais de 500 anos. Agora, eu me preocupo com os que não são índios, como que vão resistir diante disso tudo o que está acontecendo. Nós sabemos resistir, sempre.
Edição: Pedro Carrano