Rio Grande do Sul

CRISE DO LEITE

Novas regras para produção de leite ameaçam a agricultura familiar

Normativas do governo federal exigem uma série de adaptações que amplia a crise do setor

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Produtores alegam que a crise no setor será ampliada com as normativas.
Produtores alegam que a crise no setor será ampliada com as normativas. - Foto: Wellington Lenon

Agricultores gaúchos estão preocupados com as novas regras do governo federal para a produção de leite no país. As Instruções Normativas 76 e 77, do Ministério da Agricultura (Mapa), especificam os padrões de identidade e qualidade do leite cru refrigerado, do pasteurizado e do tipo A e estabelecem alterações na forma de produzir, coletar e armazenar, que inviabilizam a entrega da produção de pequenas e médias propriedades a cooperativas e indústrias.

As instruções foram publicadas no Diário Oficial da União em novembro de 2018 e entraram em vigor em maio deste ano. Produtores ressaltam que não são contra medidas que tratam do controle da qualidade do leite. No entanto, alegam que, na prática, essas normativas querem aumentar a competitividade no mercado internacional por meio da implementação de um modelo de produção que inviabiliza e elimina os pequenos em favor dos grandes.

Temperatura máxima 

Adelar Pretto explica que normas ignoram realidade de locais distantes | Divulgação MST/RS 

Um exemplo de mudança que preocupa é a temperatura máxima permitida para o leite chegar ao estabelecimento industrial. Com as novas regras, caiu de dez para sete graus. Essa alteração ignora a realidade daqueles que moram em locais muito distantes e o tempo de viagem necessário para transportar a matéria-prima dessas propriedades até a indústria.

“Em Piratini, por exemplo, o caminhão faz 180, 200 km para chegar à indústria. O leite não chega com menos de 8 graus no inverno e a temperatura aumenta no verão. Com as normas antigas nem produtor, nem consumidor tiveram problemas”, explica Adelar Pretto, da Cooperativa de Produção Agropecuária Vista Alegre (Coopava).

Abandono da produção 

A agricultora Rosi de Lima, de Santana do Livramento, diz que as normativas aumentarão o êxodo rural. Elas provocam o abandono da atividade, porque obrigam o produtor a fazer mais investimentos para se adequar, enquanto a produção continua desvalorizada.

Rosi conta que produzir um litro de leite custa em torno de R$ 0,80. Na hora da venda, quem produz mais de 3 mil litros recebe aproximadamente R$ 1,00 por litro e quem produz menos recebe R$ 0,90. Ou seja, a sobra gira em média de R$ 0,20 por litro. “Para viver disso tem que ter uma boa produção e diminuir custos. Mas como diminuir com essas normativas? É muito difícil”, desabafa.

Dados mostram que o número de produtores de leite cai ano após ano no RS. A estimativa é que em torno de 35 mil saíram da atividade nos últimos quatro anos. Conforme a Emater, em 2015 havia 198 mil. Desses, 84 mil, sendo 97,6% agricultores familiares, vendiam para indústrias, cooperativas ou queijarias, ou processavam a produção em agroindústria própria legalizada.

Em 2017 foram contabilizados 19 mil produtores a menos. O total caiu para 173 mil, com 65 mil vendendo para indústrias, cooperativas ou queijarias, ou processando em agroindústria própria legalizada.

Ainda de acordo com a Emater, até 2015 o RS produzia 4,6 bilhões de litros de leite ao ano. Já em 2017 a produção caiu para 4,4 bilhões de litros anuais.

A crise aumentou com o decreto 53.059/2016, do governo Sartori (MDB), que estimulou a importação de leite em pó do Uruguai e derrubou o preço pago pela indústria aos agricultores gaúchos, prejudicando ainda mais os pequenos produtores.

Movimentos pressionam o governo a anular as duas instruções 

Deputado Marcon apresentou projetos de decretos legislativos para suspender as normativas | Foto: Wellington Lenon

No Rio Grande do Sul produtores e deputados estaduais do PT organizam ações para pautar os impactos das normativas. Inclusive, em Porto Alegre, será realizado um evento na Assembleia Legislativa no dia 15 de outubro.

Em Brasília, o deputado federal Dionilso Marcon (PT) pediu providências à ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e busca apoio de outros parlamentares. Também apresentou dois projetos de decretos legislativos para tentar suspender as normativas e articula junto ao presidente da Câmara a votação direto no plenário.

“Tais medidas atingem em cheio as pequenas unidades produtivas, que produzem até 150 litros ao dia, excluindo da cadeia produtiva mais de 35 mil famílias responsáveis por mais de 54% da produção. Desde o golpe até agora com o governo Bolsonaro a crise do leite só aumenta, e quem está pagando a conta são os nossos pequenos produtores”, destaca.

A compreensão do deputado é que o setor terá extrema dificuldade para atender as exigências e a política do presidente Bolsonaro de abertura comercial com a Europa que vai atingir em cheio a produção. “As medidas acabam com os nossos colonos, que dependem da renda do leite para sustentar suas famílias, afinal, sabemos que uma família que abandona a produção de leite no Interior afeta não só ela mesma, mas toda a economia local: é menos dinheiro circulando, menos empregos, menos arrecadação, mais fome e pobreza”, salienta.

Números da produção de leite 

Segundo a Embrapa Gado de Leite, o Brasil é o 4º maior produtor de leite do mundo. Cerca de 60% da produção é oriunda da agricultura familiar. Conforme o Mapa, em torno de 1 milhão de agricultores estão na atividade.

O RS é um dos estados que mais produz. Dados da Emater revelam que até 2017 a produção ocorria em 491 dos 497 municípios. A Reforma Agrária também é responsável por parte da produção. Cerca de 6 mil famílias assentadas no estado produzem mais de 120 milhões de litros de leite ao ano.

De acordo com o Sindicato da Indústria de Laticínios do RS (Sindilat), a cadeia gaúcha responde por 2,81% do Produto Interno Bruto (PIB) do estado, equivalente a R$ 10,55 bilhões.

Edição: Marcelo Ferreira