Paraná

Jornada da Agroecologia

Artigo | Uma Jornada para a Vida

Na contramão deste modelo hegemônico, uma ciência vem sendo praticada por muita gente, os povos do campo: a Agroecologia

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
A Jornada de Agroecologia contou com uma Feira de Agrobiodiversidade
A Jornada de Agroecologia contou com uma Feira de Agrobiodiversidade - Tom Cabano

Homens e Mulheres começaram a praticar a Agricultura há cerca de 12 mil anos. Foi um ato revolucionário para aquela época.  A descoberta de que se depositassem sementes sob o solo, se poderiam domesticá-las. No velho mundo se registra que, inicialmente, foi na Mesopotâmia, atual Iraque. E também no vale do Rio Nilo, na África. Mas seguramente, muitos povos pelas Américas e outros lugares do mundo, em estágios diferentes, também a desenvolveram. E esse "fragmento" de história da humanidade, desde essa descoberta até ao século XX depois de Cristo, foi garantidor do desenvolvimento e crescimento populacional no planeta. E, inegavelmente, em relativa harmonia com a natureza. Sem avançar seus limites.

Porém, o século passado foi marcado pela adoção de modelos de desenvolvimento para a agricultura que iniciou um processo de alto impacto sobre o planeta. Parte das tecnologias desenvolvidas para as duas grandes guerras que ocorreram, ao final delas e como "lixo de guerra",  foram adaptadas à agricultura em escala mundial. Uma agricultura dependente de petróleo. Dos mais característicos destes, foram o uso de pesticidas, de venenos: os agrotóxicos. Mais tarde, na segunda metade do século passado, a engenharia genética avançou para a descoberta da transgenia, uma mistura de genes de espécies bastante distintas e impossível de se realizar na natureza, só mesmo em laboratórios e que, nos anos 90, iniciaria sua difusão comercial sobre a agricultura. Por esse modelo ainda resultaria uma crescente expulsão de camponeses e povos tradicionais, concentrando-se a terra ainda mais às mãos de poucos. A agricultura que outrora foi garantidora de sanar as necessidades humanas, se tornou desde então, e até os dias atuais e de forma hegemônica, um modelo de geração de lucro e de concentração de riqueza para uma parcela minoritária de qualquer sociedade pelo mundo. Despidos de preocupação com a natureza e com a majoritária parte da população submetida a este modelo.

Na contramão deste modelo hegemônico, uma ciência vem sendo, pouco a pouco, estudada e pesquisada pelas instituições, mas sobretudo praticada por muita gente, os povos do campo: a Agroecologia. Bônus e ônus de sua realização ainda ficam nas costas de famílias e comunidades camponesas em todo o canto. No Brasil, ainda há pouca política pública reservada para este modelo. Mas ele salvaguarda uma expressiva produção, sem uso de agrotóxicos, de organismos transgênicos ou de adubos de síntese química. É regido por princípios e não por pacotes e receitas. O equilíbrio na relação dos gastos e da produção de energia e de insumos; o aumento da biodiversidade no sistema agrícola; além da preservação e conservação de solos orgânicos (matéria orgânica) e inorgânicos (originários das rochas) são partes dos princípios da Agroecologia.No Paraná, desde 2002 acontece um encontro estadual denominado de Jornada de Agroecologia. Ele reúne camponeses, trabalhadores do campo e da cidade, estudantes, professores, pesquisadores dentre outros segmentos. Realizam uma profunda  troca de experiências, de conhecimentos e de sementes e mudas em diversidade. São oficinas, palestras, conferências, visitas técnicas, além de feiras e atividades culturais. Cada evento reúne uma média de três mil pessoas, já tendo feito um percurso, em quase duas décadas, por Ponta Grossa, Cascavel, Francisco Beltrão, Londrina, Maringá/ Paiçandu, Irati e Lapa.  Em 2019, já está na 18° Jornada de Agroecologia. Aconteceu no coração da cidade de Curitiba, dos dias 29 de agosto à 1° de setembro.

O modelo dependente do petróleo e da indústria química  para a agricultura é hegemônico pois, além de ser um grande mercado, lhe é atribuído ideologicamente como a totalidade do que existe e do que é possível. Em menos de 200 anos, esse modelo esgotou ou utilizou muito mais recursos do planeta do que os 12 mil anos anteriores. Tende a colapsar a natureza. Quando o conjunto da sociedade vir a se antenar para a necessidade de buscar alternativas a ele, é desejável que tenhamos condições de reverter a condição natural esgotada ou perturbada. E, além disso, algo muito importante, que tenhamos a alternativa tecnológica e científica para isso. Essa planeta, uma "casa emprestada", necessita perpetuar a vida sobre ele.

*João Flávio Borba é engenheiro agrônomo, militante da Via Campesina e direção estadual do MST.

Edição: Laís Melo