Paraná

Violência

Na polícia, quem mata mais pobres é considerado herói

Policial revela que na corporação há a ideologia de “passar por cima das leis para combater crime”

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

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Mesmo com a polícia já matando e a violência aumentando cada vez mais, o pacote do ministro Sergio Moro quer dar mais liberdade para polícia
Mesmo com a polícia já matando e a violência aumentando cada vez mais, o pacote do ministro Sergio Moro quer dar mais liberdade para polícia - Giorgia Prates

O aspirante a oficial da Polícia Militar do Paraná Martel Alexandre del Colle encontra-se afastado da corporação por licença médica por conta da pressão que diz ter sofrido dentro da corporação desde que passou a questionar procedimentos internos e foi contrário, publicamente, à candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) no ano passado. 

Entre as coisas com que não concordava na corporação estava, como diz, uma verdadeira ideologia de que a lei não é suficiente para a atuação da polícia e que por isso deve-se passar por cima dela.  

“Quando eles falam isso, é de maneira genérica. Mas quando vai para a prática, esse discurso não é para uma classe mais alta. Não se ouve na polícia falar que bandido bom e bandido morto para o (deputado) Aécio Neves, para crimes da alta sociedade. O criminoso é o criminoso pobre. No final, essa ideia de matar só serve para o pobre, para a classe baixa.”, afirma Martel. 

Ele explica que a forma de operacionalizar essas ações vem desde a formação. E que quase todo policial já ouviu dizer, “você vai aprender a ‘ser policial nas ruas’, ou seja, esqueça tudo que você aprendeu no curso de formação e venha aprender nas ruas.” 

Chegando a casos de que já ouviu do chamado “batismo”, em que um policial recebe a ordem de ir a uma comunidade e matar alguém para mostrar que faz parte da corporação. “Algumas dessas pessoas acabam internadas com problemas de saúde depois dessas ações. Na minha carreira e mesmo em internamentos em hospitais vi situações de policiais falando desses batismos, de pessoas que estavam internadas em clínicas porque não tinham aguentado.” 

Outro ponto que destaca é que há uma obrigação de obediência cega ao comando. “Se existe uma lei dizendo uma coisa e um oficial disser outra, você vai ser punido se não seguir a ordem do oficial. O policial aprende que não tem de questionar uma ordem, mas cumprir... E a ordem do comando pode ser qualquer uma. E, nesse contexto, quem mais mata pobre acaba se tornando herói.”

Pacote anticrimes de Moro piora situação

Mesmo com a polícia já matando muita gente e a violência aumentando cada vez mais, o pacote do ministro Sergio Moro quer dar mais liberdade para a polícia. 

Hoje o policial pode reagir em caso de sua vida em risco ou a de terceiros, “o chamado excludente de ilicitude”, mas passa por procedimentos de investigação e, em muitos casos, por julgamento. 

“Agora, o que se quer é que ele nem responda se cometer irregularidades. Pode dizer: ‘matei uma pessoa porque estava nervoso, estava numa favela. É um pacote genocida, vai dar mais poder para policiais criminosos, que poderão executar crimes e não responder por eles”, diz o policial Martel. 

O pacote de Moro 

O projeto “anticrime” de Moro dá isenção de responsabilidade aos policiais que matarem civis ao agirem por “medo, surpresa ou violenta emoção". Conforme o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, só em 2017 a polícia brasileira matou 3.240 pessoas negras, quase três vezes mais do que pessoas brancas. Hoje essas mortes são muitas vezes “justificadas” por “autos de resistências” forjados pelas instituições militares com a finalidade de justificar ações excessivas do Estado. Caso a medida de Moro passe, os autos de resistência não serão, sequer, necessários. 

Edição: Laís Melo