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Gritos por “Lula Livre” e “Marielle Vive” marcam debate sobre democracia em Curitiba

Democracia fragilizada e estratégias de resistência marcaram as falas dos debatedores no evento realizado pela ABJD

Curitiba |
Participaram do debate a arquiteta Monica Benicio, o economista Eduardo Moreira e a jurista Gisele Cittadino, da ABJD.
Participaram do debate a arquiteta Monica Benicio, o economista Eduardo Moreira e a jurista Gisele Cittadino, da ABJD. - Gibran Mendes

“Salve os caboclos de julho / Quem foi de aço nos anos de chumbo / Brasil, chegou a vez / De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”. O samba enredo da Mangueira, campeã do carnaval do Rio de Janeiro neste ano, emocionou o público da Conferência “Para onde vamos? Desafios da Democracia hoje”, realizada na noite desta segunda-feira (8), no Teatro da Reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Quem cantou e tocou a música conhecida do público foi a Bateria Carlos Marighella, da Brigada de Agitação e Propaganda do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Paraná, com participação do trompetista Fernando Leitão.

A letra do samba complementou em versos as palestras de Mônica Benício, militante e viúva da vereadora Marielle Franco, de Eduardo Moreira, economista, e de Gisele Cittadino, integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), entidade que realizou o evento. Os convidados foram unânimes ao considerar que a democracia brasileira está fragilizada. Os dois principais exemplos citados pelos três foram o assassinato da vereadora Marielle Franco, sem identificação dos mandantes um ano após o crime, e a prisão política do ex-presidente Lula, líder nas pesquisas de intenção de votos na eleição de 2018. As palavras de ordem “Lula Livre” e “Marielle Vive” ecoaram em vários momentos da Conferência.

“Lutar pela democracia hoje significa analisar de forma crítica o poder judiciário. ”

Com a pergunta inicial sobre qual projeto de país queremos construir e a constatação que cada vez mais debates e diálogo estão sendo interditados, os debatedores trouxeram reflexões e possibilidades.  Para a professora de Direito da PUC RIO, Gisele Citadino, é impossível discutir democracia sem levar em conta o poder judiciário e o nosso sistema de justiça. “No final do século 20, há um conjunto de fatores que faz com que o Poder Judiciário se expanda. Entre eles, por exemplo, o fim das ditaduras militares na América Latina. Com o processo de reconstitucionalização, acreditava-se que via judiciário garantiram-se os direitos e de outro lado o preservaríamos a democracia, respeitando nossa Constituição, ” explica Gisele. Isso aconteceu em todo o mundo e não só no Brasil, segundo a professora. “Porém, o que nos intriga é por que aqui no Brasil a expansão do poder judiciário está tão associada a este processo de calar a soberania popular, quando não se substituir à soberania popular. Quando o Ministro Barroso, do STF, diz que o Supremo Tribunal Federal é a vanguarda iluminista da sociedade brasileira, é bastante preocupante, ” constata.

Gisele que é coautora do livro “Comentários a uma sentença anunciada”, que reúne dezenas de artigos de juristas sobre a sentença de Sergio Moro que condenou Lula a 9 anos de prisão, diz que o estado de exceção que vivemos hoje no Brasil é decorrente da não normalidade da atuação do poder judiciário. “O poder judiciário no Brasil de hoje vem desemprenhar esse papel de ser aquele ator político que a elite usa para construir um acordo que passa pelo alto e ignora a soberania popular, ignora os direitos. Lutar pela democracia hoje significa analisar de forma muito crítica o poder judiciário. ”  

“A mudança virá da reunificação entre classe média e classe trabalhadora”

Do ponto de vista da economia, Eduardo Moreira, que é foi cofundador do grupo Brasil Plural e autor do best-seller "Encantadores de Vidas", centrou sua reflexão na organização vigente do capitalismo que investe na dependência econômica e na exploração dos trabalhadores.  “Eu estudei a vida inteira as teorias econômicas e macroeconômicas aceitas pela comunidade dita intelectual, que dita as regras do nosso capitalismo. Sei escrever um artigo que vai agradar o mercado. Mas eu sei também, que isso tudo é vazio e superficial. Quando você sai do dinheiro e vai para a riqueza, você começa a entender as relações que existem no mundo, ” diz Eduardo que passou os últimos meses vivenciando e aprendendo nos assentamentos do Movimento Sem Terra (MST).  

 “Não existe no MST uma pessoa que tenha um centavo a mais do que extraiu do solo ou do que trouxe para o mundo. Quando você olha para alguém do MST que tem dez jabuticabas você pode ter certeza que ela trouxe para o mundo 20 jabuticabas e cinco ele deu para fazer um mundo melhor. Mas vivemos num mundo que a pessoa tem mil jabuticabas, só que só produziram dez. Aí você entende por que existe essa ordem vigente no país, entende porque os juros são tão altos. Entende por que Lula está preso. Por que a elite do nosso país precisa desesperadamente manter a dependência econômica das pessoas que sabem gerar riqueza para as que exploram e enriquecem”, explicou Eduardo. Por isso, “acredito que para mudarmos o que está aí, é preciso de uma reunificação da classe média e da classe trabalhadora. Ao longo dos anos esperamos que essa iniciativa viesse da classe média.  Mas não, virá de pessoas como vocês, do MST, que tem o coração maior que o mundo, que tem inteligência e organização privilegiadas, que tem sendo de comunidade e solidariedade

“Já existe uma revolução em curso. É preciso acreditar que é real e não uma utopia”

Dirigindo à plateia lotada de militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Mônica Benício disse que é preciso ressignificar o olhar. “Pela história do Brasil, a gente percebe que a construção da democracia foi muito as custas do sangue do povo, dos indígenas, dos negros, das mulheres. E é preciso desconstruir isso, urgente que a gente ressignifique o nosso olhar colocando luta, esperança, empatia e solidariedade”. Para ela, a democracia está em disputa e apesar do ódio e violência, não há recuo. “Estamos colocando o bonde na rua, nenhum passo atrás, ninguém solta a mão de ninguém. Eu estaria preocupada no lugar deles porque existe uma revolução em curso, é preciso acreditar nisso, que não é uma utopia. ”

Monica lembrou ainda que já são 390 dias da morte de Marielle Franco, sem a solução do caso. “Não é possível falar de democracia sem falar da prisão política de Lula e sem falar da execução a tiros de uma vereadora democraticamente eleita. Não há democracia enquanto o estado brasileiro não responde esse caso”, disse.

Edição: Redação