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Alerta: mineração na Serra da Piedade pode destruir patrimônio e área de preservação

Além de santuário, todo o monumento é protegido por diversos reconhecimentos, inclusive da Unesco

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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Mineração no local foi interrompida por decisão judicial em 2005, após causar inúmeros danos ambientais
Mineração no local foi interrompida por decisão judicial em 2005, após causar inúmeros danos ambientais - Foto: Reprodução IEPHA

Nas últimas semanas, crescem as mobilizações contra a mineração na Serra da Piedade. No dia 20 de março, o assunto foi debatido em audiência pública na Assembléia Legislativa, com a participação de centenas de pessoas. O motivo é que, poucas semanas após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) autorizou a exploração da encosta da serra pela empresa AVG Empreendimentos Minerários, pertencente ao grupo EBX, de Eike Batista.  

Retomada e impactos

A mineração da Mina do Brumado, como é conhecido o local, começou nos anos 1950 e foi interrompida por decisão judicial em 2005, após causar inúmeros danos ambientais. Na época, a mina era explorada pela Brumafer Mineração Ltda, que depois foi adquirida pela AVG. A AVG herdou o passivo ambiental da Brumafer e tenta recomeçar a exploração da mina, alegando pretender recuperar a área degradada.  Segundo a empresa, seria preciso retomar a atividade de lavra para deixar o terreno apto à recuperação.  

Em dezembro de 2011, a Justiça permitiu que a AVG operasse no local, podendo extrair minério da área degradada e aproveitar economicamente o material. Pelo acordo, a empresa deveria requisitar licenciamento ambiental junto aos órgãos competentes. Em maio de 2018, a mineradora pediu licença para operar também áreas não degradadas, minerando, ao todo, uma média de 2,4 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.

Ambientalistas e estudiosos são contra essa tentativa e advertem: a atividade vai desmatar mais de 20 hectares de campos rupestres, extinguir vegetação nativa, destruir cavidades, instalar grandes unidades de tratamento de minério, captar mais de 30 litros de água por segundo do Córrego do Brumado, prejudicando a agricultura, fauna e flora locais. A paisagem local, que atrai cerca de meio milhão de turistas por ano, também pode ser afetada irreversivelmente.

“O que está sendo licenciado vai além da área já degradada. Descumpre-se completamente o acordo, no nosso entendimento. Como intervir para recuperar somente áreas degradadas, impactando outras dezenas de hectares com espécies ameaçadas, uma área muito estratégica na segurança hídrica?”, questiona o professor Miguel Ângelo Andrade, do departamento de biologia da PUC Minas.

Máquina de aprovar licenças

A Licença Prévia e a Licença de Instalação do empreendimento foram aprovadas simultaneamente no dia 22 de fevereiro, por 7 votos a 3, na Câmara Técnica de Atividades Minerarias do Copam. Entidades criticaram o fato de a aprovação ter sido feita sem anuência do Ibama, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), de municípios da região e outros órgãos e entidades.

Além disso, todo o Monumento da Serra da Piedade, incluindo a área que vai além do Santuário, é protegido por diversos reconhecimentos: reserva da biosfera pela Unesco, tombamento como Patrimônio Cultural, Paisagístico e Religioso,  título internacional por conter a menor basílica do mundo, duas unidades de conservação municipal em Caeté, uma reserva ambiental de propriedade particular, bacias hidrográficas de importância estratégica na Região Metropolitana, maior número de espécies ameaçadas de extinção no estado, entre outras definições.

Nada disso impediu a aprovação das licenças. Na Câmara Técnica, votaram a favor da solicitação da AVG os três representantes do governo Zema (Novo), o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-MG) e três representações empresariais: o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), o Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (Sindiextra) e a Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais (Federaminas). Apenas o Ibama, a representante do Cefet-MG e o Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas foram contra. 

A ambientalista Maria Teresa Corujo, do Movimento SOS Serra da Piedade, votou contra. Ela explica que há uma presença desproporcional das mineradoras na Câmara Técnica. Em dois anos e 40 reuniões, essa composição só reprovou um licenciamento em mais de 200: “É uma máquina de validar licenças da mineração”, define. Tal caráter decorre de uma decisão do governo Pimentel (PT), a deliberação 856 do Copam.

“Antes, as decisões eram tomadas nas unidades regionais colegiadas, que têm uma maior quantidade de conselheiros e mais diversidade. As câmaras especializadas por atividade, como a Câmara Minerária, foram compostas no governo Pimentel já com formato para que tudo o que passe lá seja licenciado. Essa Câmara, a nosso ver, é inconstitucional desde o início, pois, como se põe duas cadeiras para o setor interessado em que as licenças sejam concedidas?”, critica a ambientalista.

Ela ressalta que os interesses das mineradoras não são defendidos apenas por seus representantes diretos, mas também pelas próprias secretarias do governo de Minas. “Por isso, é Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Secretaria da Casa Civil e Secretaria de Governo. Não temos contraponto de uma secretaria de agricultura para ver como fica a mineração versus produtor rural”, exemplifica.

Santuário

No alto da Serra da Piedade, a 1746 metros de altitude, fica um santuário estadual da Padroeira do estado de Minas Gerais, Nossa Senhora da Piedade. O espaço, localizado a 48 km da capital 16 km da cidade de Caeté, é dedicado à peregrinação, religiosidade e preservação. Por isso, a tentativa de minerar a Serra provocou uma forte reação da Arquidiocese de Belo Horizonte, entre outros atores.

“Vimos o ocorrido em Brumadinho. A vida não tem valor algum, o dinheiro e o emprego pagam seu preço altíssimo. Por isso, é importante a nossa união, independente da fé professada, pensando na conservação e preservação desse território sagrado, que é o rosto da nossa Minas Gerais”, afirma o reitor do Santuário, Fernando Cesar do Nascimento.

Edição: Joana Tavares