Paraná

Ditadura

Protesto passa por locais de Curitiba que lembram o golpe e a resistência

Aula pública tem depoimentos de pessoas que foram torturadas para lembrar o terror da ditadura

Curitiba |
Passeata em Curitiba, protesto para que ditadura não se repita
Passeata em Curitiba, protesto para que ditadura não se repita - Giorgia Prates

Com cartazes e faixas contra a ditadura e também contra o governo do presidente Jair Bolsonaro, centenas de pessoas vestindo preto e foram às ruas do centro do Curitiba no dia 31 de março. O Colégio Estadual do Paraná, a Casa do Estudante Universitário e a Universidade Federal do Paraná foram alguns dos locais por onde passou a caminhada.
Segundo Luiz Belmiro, do CWB Resiste, um dos organizadores do evento, o caminho foi escolhido para lembrar pontos marcantes da ditadura na capital do Paraná. “Fizemos a rota de trechos por onde o golpe militar atuou, onde teve repressão, mas também muita resistência. Hoje é uma anticomemoração em resposta ao presidente.” Na última semana, Bolsonaro ordenou ao Ministério da Defesa que fossem realizadas comemorações sobre o evento que instalou a ditadura militar de 1964 no Brasil. 
Ao longo da caminhada, emoção e indignação marcaram os depoimentos dos manifestantes. “Essa situação da defesa do atual presidente para que se comemore a ditadura é algo muito grave. Talvez para jovens não seja tão visível, mas, para mim, que vivenciei essa época, é grave e por isso estou aqui”, disse Virginia, professora da Universidade Federal do Paraná.
Rogerio Bernardi, advogado, disse emocionado que a razão de estar na rua num domingo é ver novamente situações que jamais imaginou saírem dos livros de história. “Parece, para mim, que democracia é algo que não tem preço, é inegociável, seja qual for nossa ideologia.”
Ao passar pelo local em que fica o Colégio Estadual do Paraná e a Casa do Estudante Universitário (CEU), os manifestantes relembraram que ali, em especial, os estudantes de 1968 se organizaram para combater a ditadura militar. Ambos locais foram espaços de resistência, mas também de repressão. Muitos estudantes saíram presos e nunca mais voltaram.

Encontro de gerações
A presença da juventude no protesto de domingo esteve tanto na organização do evento quanto na escuta atenta aos depoimentos dos que viveram na ditadura militar. “Estou aqui hoje porque temos que aprender com os erros do passado para que eles não se repitam. Apesar de eu não ter vivido, estudei o que aconteceu. Precisamos também ter consciência de que um governo ditatorial nunca será bom”, disse a estudante de direito Carolina Martins, 19 anos. 
De braços dados, o casal de cabelos brancos Sonia e Manoel engrossaram o coro em frente à casa do estudante, chamando para a rua quem ali estava. Sonia, professora aposentada da rede pública estadual, disse ter participado de muitas passeatas na década de 1960. “Fiz parte de movimentos e me comovo em ver a nova geração aqui. E ia para a rua dizer 'abaixo o imperialismo econômico' e estamos diante novamente desse fantasma”, constata. 
Já para Manoel, a situação de ter que voltar a defender democracia é triste. “Estamos chegando ao final da nossa vida, quando jovens lutamos contra a ditadura militar e, agora, temos a desgraça de ter que fazer essa luta de novo. Vim aqui para a rua para fazer um apelo à sociedade para que entenda que democracia é respeito ao povo.”

Aula pública: ex-presos políticos falam sobre tortura
Em frente ao prédio da Universidade Federal do Paraná (UFPR), usando um megafone, pessoas que viveram na década de 1960 fizeram o uso da palavra. A professora da Faculdade de Educação da UFPR Monica Ribeiro da Silva abriu a aula explicando que se tratava de um ato em memória dos torturados, desaparecidos, dos mortos e dos jamais esquecidos. 
“Vivi a infância em meio ao silenciamento, as coisas não ditas, aprendi o hino nacional de cor, vivi minha adolescência em meio das coisas meio ditas nas falas de minha mãe e meus professores, nas músicas de Elis, Chico e Belchior”, disse. “Este é um ato de memória, de desagravo de memória social coletiva para que se diga agora e sempre: ditadura nunca mais.”
Lafaiete Neves, professor de Economia da UFPR, contou fatos históricos que antecederam o golpe militar na década de 1960 e relatou que, aos poucos, na época, foi-se entendendo que a ditadura era um projeto diretamente contra os pobres. “A gente via prisões, assassinatos, torturas contra quem falava e denunciava isso. Assim como está acontecendo no Brasil de novo.”
Torturada e presa na ditadura militar, a advogada Clair da Flora Martins deu seu depoimento e disse que estará sempre na rua para que esse tempo não volte mais. “Sou da geração de 1968 com orgulho, a geração que derrubou a ditadura. Centenas de pessoas foram assassinadas nos 21 anos da ditadura no Brasil. Fui presa pelo chefe do esquadrão da morte, torturada com pau de arara, espancamentos e choques elétricos. Mas não saio da resistência porque temos de continuar lutando porque as ideias do passado estão voltando, e isso está sendo disseminado na sociedade.” 
Fundador do Grupo Tortura Nunca Mais, Narciso Oires, ex preso político, disse que a luta contra a ditadura nunca acabou. “Fui preso por seis vezes, trazido para um local clandestino de tortura aqui em Curitiba, fui barbaramente torturado. Mas estou vivo e lutando. O que posso dizer é que esta ideia sempre nos assombra, por incrível que pareça essa luta nunca acaba e, atualmente, estamos vivendo o pior retrocesso da história do Brasil, o avanço do fascismo.”
 

Edição: Frédi Vasconcelos