Liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e candidato à Presidência da República nas eleições 2018, Guilherme Boulos (PSOL) está em Curitiba (PR) para participar de um debate sobre a reforma da Previdência. Em visita à Vigília Lula Livre, ele concedeu entrevista ao Brasil de Fato Paraná e falou sobre a necessidade de reconexão do campo da esquerda com as bases, ressaltando as intenções do governo por trás das mudanças nas regras de concessão da aposentadoria.
Confira os melhores momentos da entrevista:
Brasil de Fato: Diante da atual conjuntura, com a vitória de Bolsonaro nas eleições, como recompor a base social e fazer resistência à tentativa de desmonte da Previdência?
Guilherme Boulos: Estamos viajando por todo país falando nas universidades, bairros, com a juventude, sobre o que representa essa reforma da Previdência. Estamos indo a bairros nas periferias e estou bastante impressionado: há muita gente querendo se mobilizar.
Há dois dias, tivemos uma pesquisa da XP em que mostra Bolsonaro com a pior a aprovação para o período entre todos os presidentes da Republica até agora. Mas, isso não necessariamente vai virar uma crítica e uma saída à esquerda. Portanto, a esquerda precisa se desafiar a reconectar sua relação com o povo, voltar a ter uma aliança com a base popular. Isso se perdeu, por uma série de razões, e uma delas é ter deixado de fazer o trabalho de base, estar onde o povo está, ouvir as necessidades das pessoas. Isso se perdeu porque acreditou-se que a política era [somente] na institucionalidade e na disputa eleitoral.
Com todos os golpes sofridos, existe uma impressão de desgaste na resistência.
Eu acho que teve um desgaste, sim, porque as pessoas cansaram de ir às ruas e sofrer derrotas. É verdade que ganhamos a batalha da Previdência em 2017, fizemos grandes mobilizações para o "Fora Temer", contra a reforma trabalhista, contra a prisão do Lula, por Marielle [Franco]. Mas, como tivemos várias derrotas, muita gente foi desanimando.
Mesmo nessas lutas, com exceção de 2017, o "povão" não se mobilizou. O povo mais pobre não foi às ruas de verde-amarelo e nem veio com a gente contra o golpe. Por isso, é preciso fazer retomada de trabalho de base. Não adianta ficar só falando e não fazer. Se todos começarem a ir nos bairros, distribuir material, podemos mudar isso.
Quais os pontos mais problemáticos da proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo Bolsonaro?
Essa reforma quer destruir a Previdência pública. Não é contra privilégios, não. O centro dessa reforma é tornar a aposentadoria no INSS proibitiva, juntando aumento de tempo de contribuição com idade. Tão proibitiva que a maioria do povo brasileiro não vai ter como se aposentar. Vai ter que recorrer a benefícios sociais que estão desvinculando do salário mínimo, que é o caso do BPC [Benefício de Prestação Continuada]. Já tem 5 milhões de pessoas [que recebem o BPC], e eles querem passar para 400 reais.
E o impacto para os trabalhadores, de modo geral?
O objetivo é levar aqueles trabalhadores de maior renda e estabilidade para a previdência privada, partir do sistema de capitalização. O trabalhador, então, vai ter mais um boleto, além de todos os outros, para pagar a previdência privada. Pega o Chile, onde se fez isso: 80% dos aposentados recebem salário mínimo porque não conseguiram entrar na ciranda da capitalização. Você destrói a aposentadoria como direito e vai falir o INSS.
Vão criar um rombo insolúvel. Dois terços da Previdência pública vêm de folha de pagamento. O objetivo não é salvar a Previdência: é destroçar a previdência pública e colocar a poupança dos trabalhadores com melhor renda nos bancos.
Para que se mantenha a Previdência pública, qual a alternativa?
A atual proposta é uma alternativa dos bancos, do Paulo Guedes [ministro da Economia] e da turma deles. A nossa alternativa para que tenhamos uma previdência sustentável é, por exemplo, cobrar dívida de grandes empresas. São 476 bilhões de reais de dívidas com a Previdência. Vai mexer em quem ganha salário mínimo e não vai mexer nisso. É acabar com as desonerações das grandes empresas -- o "bolsa empresário". É também revogar a reforma trabalhista, que jogou milhões de trabalhadores na informalidade e, ao deixarem de ter carteira assinada, deixaram de contribuir com a Previdência.
Um estudo da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] estimou que pode chegar a R$ 30 bilhões ao ano o que a Previdência deixou de arrecadar. Então, a alternativa é, por exemplo, taxar grandes fortunas, taxar lucros dos bancos. Enfim, 70% de municípios brasileiros tem como principal fonte de movimentação econômica os benefícios previdenciários. Os prefeitos vão começar a reclamar, com certeza. Vai falir os municípios...
Essa reforma é um crime. Não se faz outra alternativa porque eles não querem enfrentar privilégios e querem destruir direitos dos trabalhadores.
Edição: Daniel Giovanaz