EXPLORAÇÃO E CAPITAL

"O Brasil tem um histórico de saques das suas riquezas minerais", afirma especialista

"Amazônia: riqueza, degradação e saque", do professor Gilberto Marques, destrincha exploração predatória na região

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Livro narra processo de exploração da Amazônia, além das contradições sociais e ambientais derivadas da atividade mineradora
Livro narra processo de exploração da Amazônia, além das contradições sociais e ambientais derivadas da atividade mineradora - Daniel Giovanaz | Brasil de Fato

Um dos biomas mais importantes do mundo, a Amazônia tem sido saqueada desde o século 19, com a extração da borracha.

A atividade exploratória mudou a geografia da região e de estados próximos, como o Pará, e a conhecida Serra dos Carajás, famosa pela extração do minério de ferro, é outro exemplo do projeto exploratório do Brasil ao longo dos últimos anos.

Esses e outros processos estão descritos no livro Amazônia: riqueza, degradação e saque, escolhido como livro do mês no sorteio realizado pela Rádio Brasil de Fato, fruto da parceria com a editora Expressão Popular.

Autor da obra, Gilberto de Souza Marques é professor do programa de pós-graduação em economia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ele também publicou, ao lado de Indira Rocha, o livro Luta Camponesa e Reforma Agrária no Brasil, em 2015.

Ao Brasil de Fato, Gilberto questionou a relação entre exploração e o capital externo, além de abordar as formas de saque pelos quais a Amazônia tem passado nos últimos anos. “As grandes atividades econômicas da Amazônia estão nas mãos de capital extrarregionais. Isso tem se transformado em geração de mais dependência e contradições sociais e ambientas na região”, afirma.

Confira os principais trechos da conversa:

Brasil de Fato: Logo no início do livro você fala sobre a relação da Amazônia pautada pela dependência ao capital externo, algo que me parece antigo. Por que isso acontece?

Gilberto de Souza Marques: A questão é antiga e atual, lamentavelmente, porque as políticas para a Amazônia são pensadas para atrair o capital de fora e entregar o conjunto das riquezas para esse capital. Se pensarmos, foi assim no período na produção da borracha, no final do século 19 e início do século 20, e se mantém até hoje. As grandes atividades econômicas da região estão nas mãos de capital extrarregionais. Isso tem gerado de mais dependência e contradições sociais e ambientas na região.

O título do livro faz menção ao saque que a Amazônia tem sofrido. De que maneira ela tem sido saqueada ao longo da história?

São vários processos, desde a forma como se extraiu a riqueza da região no período da borracha, que não ficava na região. A arrecadação de impostos que ocorria naquele período entre tudo que o governo federal arrecadava e o que ele gastava, havia um enorme superavit, um dinheiro que migrava pra fora, através dos bancos que financiavam a produção. A partir do final dos anos 1950 e 1960, houve um grande processo de exploração do manganês no Amapá. A mina de maior teor de minério do mundo naquele período. Um empreendimento que foi dilapidado, saqueado, e menos de duas décadas depois o minério de altor teor já havia sido esgotado e vendido exclusivamente para os EUA, restando só buraco, degradação ambiental e social, com uma cidade fantasma, que é Serra do Navio.

A partir dos anos 1970, há a fase da exploração de outros grandes projetos minerais. O ferro, a bauxita, que é a matéria prima do alumínio, entre outros empreendimentos.

Tem vários outros processos históricos de saques das nossas riquezas. Isso fica evidente quando pegamos os dados da mineração. Quando a Vale foi privatizada em 1997, o valor foi de R$ 3,3 bilhões. Naquele ano, ela já tinha um total de reservas de ferro de quase R$ 13 bilhões de toneladas de ferro. Naquele momento se falava que essas reservas seriam exploradas por quatro séculos. Hoje, em um cenário otimista, as reservas se esgotarão em 2059. Isso representa um processo de saque das nossas riquezas, comprovados também pelo lado social, com mais miséria, prostituição e concentração de renda na região.

Em que pé estamos na região do Amazonas e estados próximos nesse desenvolvimento regional aliado a atividade de extração?

Nós estamos numa situação difícil. O Pará, por exemplo, é dividido 12 regiões de integração. A região de Carajás concentra a maior produção mineral, com o maior PIB per capita do estado. No entanto, tem a menor expectativa de vida e a menor relação posto de saúde para cada 10 mil habitantes. Essa política, que se apresenta como política de desenvolvimento, na verdade uma política de saque. Diante disso, precisamos nos perguntar: desenvolvimento para quem? Esse desenvolvimento tem classe social e cor. Isso tudo foi pensado para quem controla o capital no Brasil e sua relação com o exterior.

Por outro lado, existe um processo de organização das pessoas e de enfrentamento que ainda é insuficiente, mas que se dele elogiar e impulsionar. Na região de Barcarena, por exemplo, há uma retomada de áreas que as mineradoras tomaram das comunidades tradicionais. A situação é complicada, mas também precisamos guardar algum otimismo. Isso passa pela organização dos movimentos sociais, das populações, no sentido de construir um outro projeto de desenvolvimento para a região. Esse outro projeto não pode ser pautado pelo que sempre foi, que é a busca única e exclusiva pela riqueza.

Edição: Guilherme Henrique