No mês da Consciência Negra, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a União são alvo de uma Ação Civil Pública movida pelos integrantes da Associação Quilombola Pró-reintegração Invernada Paiol de Telha Fundão para exigir a titulação do território quilombola localizado na cidade de Reserva do Iguaçu, no Centro-sul do Paraná. A ação enviada à Justiça Federal nesta quarta-feira (28) também pede o pagamento de indenização para a comunidade por danos morais coletivos, pela demora na titulação da área.
Desde dezembro de 2016, um recurso de cerca de R$ 10 milhões está disponível para o Incra, para aquisição de parte da área que atualmente está em posse da Cooperativa Agrária Agroindustrial Entre Rios. Em fevereiro de 2018, o Instituto se comprometeu em titular até abril deste ano pouco mais de 200 hectares dos 2,9 mil reconhecidos pelo Incra. Passados mais de sete meses do prazo estimado, não há indicativos de quando as famílias terão o título da terra.
Sem o documento, os quilombolas vivem no local de forma precária – muitos em barracos de lona, sem saneamento básico ou energia elétrica. O medo de um possível despejo enquanto a área não é titulada também impede que as famílias criem animais ou plantem em maiores quantidades de terra. “Estamos implorando que seja feita a titulação. Virou uma coisa desumana isso”, lamenta a presidente da Associação Quilombola, Mariluz Marques.
A falta de título da terra também impede que a comunidade avance em um projeto de Agroindústria Comunitária, que gerará renda para as famílias. A Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná (SEAB), ente do Estado responsável pelo acompanhamento do projeto, exige a apresentação de documentos de certificação da área para compra de maquinário e materiais para construção do espaço de beneficiamento.
A ACP movida pela comunidade reivindica que parte da área seja titulada nos próximos 30 dias. A ação também pede que o Incra apresente, dentro de 60 dias, um plano estratégico para titulação de todo o território tradicional, que deve ser executado em até cinco anos.
Descaso
O processo para obtenção do título do território tradicional já dura 13 anos, de uma história que começa antes de 1860. Naquela época, as terras que hoje são reivindicadas pelos quilombolas do Paiol de Telha foram deixadas de herança pela escravocrata Balbina Francisca de Siqueira para 11 trabalhadores e trabalhadoras escravizadas. Na década de 1970, as famílias quilombolas foram expulsas da área por conflitos territoriais que duram até hoje. Sem ter para onde ir, muitas pessoas foram viver em um acampamento às margens da Rodovia PR 459.
Certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2004 e com Decreto Presidencial para desapropriação da área desde 2015, a Comunidade Invernada Paiol de Telha é o quilombo com processo de titulação mais avançado entre as 38 comunidades reconhecidas no Paraná. Mesmo assim, sofre com a morosidade do Estado em reconhecer a terra que é de direito de mais de 300 famílias descentes dos herdeiros de Balbina.
Resistência
Em 2015, os quilombolas voltaram a ocupar, por conta própria, as terras que lhes são de direito. Após intensos conflitos, um acordo feito com a Cooperativa Agrária permitiu que as famílias permanecessem em parte do território. Necessitando ampliar a área para plantação e a estrutura para instalação das casas, em dezembro de 2017 os quilombolas ocuparam uma nova área – fora do acordo estabelecido com a empresa. Agora, tramita no Tribunal Regional Federal da 4ª Região um recurso movido pela Cooperativa para o despejo das famílias. Caso o despejo das famílias ocorra, além do local de residência, os quilombolas perderão as fontes de sustento - roças de milho, feijão, mandioca, hortaliças e criação de porcos e gado – e podem voltar a viver em barracos na beira da estrada.
“Sempre prezamos a legalidade e o que diz a Constituição Federal. E já está provado através do Incra que essa terra é nossa. Não estamos pegando nada de ninguém”, fala a presidenta da Associação. E critica a morosidade do Incra em finalizar o processo de titulação da área. “Por que para nós a lei não funciona para titular a terra, mas funciona do outro lado quando querem despejar a gente?”, se revolta.
Para o advogado popular da Terra de Direitos que acompanha o caso, Fernando Prioste, a demora na titulação do território tradicional – um direito previsto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 – revela o racismo institucional ainda enraizado no Estado Brasileiro. “O direito está previsto há trinta anos na Constituição, mas não é efetivado. O racismo institucional faz o ritmo das titulações ser tão lento que estima-se que o INCRA demorará mais de seiscentos anos para titular todos os quilombos do país”.
No próximo dia 3 de dezembro será realizada na 11ª Vara Federal de Curitiba uma audiência de conciliação entre a comunidade e a Cooperativa Agrária, para discutir a possibilidade de permanência das famílias na área. A audiência ocorre em um processo de reintegração de posse movido pela Cooperativa contra o Paiol de Telha.
Edição: Laís Melo