Paraná

Luta por terra

A dura, e feliz, vida de acampado

Entrevistados de acampamento e assentamento do MST contam um pouco de seu cotidiano, sonhos, alegrias e as dificuldades

Brasil de Fato | Quedas do Iguaçu (PR) |

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Nair Rótule nunca morou na cidade
Nair Rótule nunca morou na cidade - Frédi Vasconcelos

“A esperança de ter um pedacinho de chão”, como diz Rosa Maria, de 58 anos, que vive  no Acampamento Dom Tomas Balduíno, do MST, em Quedas do Iguaçu (PR), é o que une as vidas de pessoas que deixaram a cidade com que não se acostumavam e hoje lutam por um lugar para viver e plantar. Como completa Rosa, “A gente vive aquela esperança todo dia, agora vai sair... As coisas vão indo no seu momento exato. Não perdemos a esperança.”

Rosa faz parte do acampamento desde seus primeiros dias, quando foram ocupadas terras que eram do governo federal, acabaram griladas por família poderosa do interior do Paraná e vendidas de maneira irregular a uma empresa de celulose. Diz que o pior momento que viveu foi quando dois acampados foram assassinados, há cerca de dois anos. “A gente ficava muito triste, se chocava, mas não perdia a vontade de lutar. Cada um que perdeu sua vida, a gente está lutando cada um mais um pouquinho por eles.”

Mas sua alegria é viver na terra, porque nunca se acostumou na cidade. “Eu me criei na roça e tinha vontade de ter tudo aquilo de novo. Mudei pra cidade, trabalhei 12 anos, mas não me adapto”. E complementa, “a gente gosta de cuidar do ‘bicharedo’, cuidar da natureza, da água, ter suas coisas, comer o que você planta sem veneno. É prazer plantar, colher e comer aquilo que você plantou.”

Antônio dos Santos, agricultor de 49 anos, é outro que foi criado na roça e nunca conseguiu se acostumar na cidade. “Pra quem nasceu no sítio é meio difícil de acostumar. Fui porque a mulher queria, a irmã dela estava lá. Daí toquei de vender o que tinha. Não deu certo com ela e quis voltar”, conta, Como tinha vendido a terra, sua opção, depois de trabalhar por anos em pequenos empregos na cidade, foi participar da luta do acampamento. Hoje seu sonho é voltar a ter um sítio. “A esperança nossa é de sair a terra, para nós plantarmos e produzirmos.”

Ele diz que hoje, além de plantar, tem de sair do acampamento e fazer pequenos serviços na cidade para complementar a renda. “Aqui trabalho plantando milho, mandioca, batata, de tudo um pouco, e vou fazendo uns servicinhos por aí e passando. Mas quero pegar um sítio aqui, daí o cara vai fazer pra viver. O sonho é esse. Plantar, criar os bichos e lutar, fazer alguma coisa.”

Já Rosa diz que consegue “se virar” porque recebe aposentadoria, mas também sonha com o momento em que o acampamento vire assentamento e ela possa ter seu sítio. “Aqui cada um se vira, deixa as coisas que não são necessárias e vive com o mínimo, plantando, a gente colhe bastante coisinha. A terra é ruim ainda, mas tem uns espaços que dá bem para tirar o sustento.” Mas diz que quer a própria terra. ”Não vejo a hora, mesmo se tiver de roçar, fazer alguma coisa. Enquanto Deus deixar, a gente quer ir para a terra, não quer ficar só acampado.”

O sonho de Rosa e Antônio já vem sendo vivido na prática por Nair Rótule, de 49 anos, que é do Assentamento Celso Furtado, também em Quedas do Iguaçu. “Nunca morei na cidade, nunca me imagino um dia sequer morando na cidade. Eu adoro estar no sítio, plantando, colhendo, cuidando do animal, essas coisas assim.”

Ela diz que no começo, quando também estava num acampamento provisório, a vida era bem difícil. “A gente sofreu muito, como o pessoal aqui. Era bastante difícil”. Hoje diz que a vida ainda é dura, mas que é muito feliz no seu sítio. “Planto arroz, feijão, milho, mandioca, batata, toda a verdura que a gente consegue plantar. Também tiro leite, tenho as vacas, faço queijo, um monte de coisinhas. Até sinto dificuldade porque sou bastante doente, dor de cabeça muito forte, essa é minha dificuldade no sítio, mas é uma alegria estar lá”, diz.

Edição: Redação