Paraná

Vigília Lula Livre

Um perfil: Irmã Raimunda Cleide Fontes

Advogada, militante e missionária paraibana veio a Curitiba para ouvir militantes e moradores

Curitiba (PR) |
Espaços de diálogo, fraternidade e histórias da militância marcaram a passagem de Cleide pela Vigília
Espaços de diálogo, fraternidade e histórias da militância marcaram a passagem de Cleide pela Vigília - Joka Madruga

A Irmã Cleide tomava chimarrão, uma perna em cima da cadeira e o pé descalço. Conversava na dispensa da vigília. Passei diversas vezes por ali e nem tinha imaginado que ela poderia ser uma freira. Parecia mais uma militante, o que de fato é, mas não parecia uma militante em missão, tampouco religiosa.

Advogada, 73 anos e religiosa diocesana, Raimunda Cleide Fontes é paraibana e no dia em que a Vigília Lula Livre completa 80 dias, ela conta seu 13º dia em sua missão. Cleide veio pela sua congregação para cumprir o papel de mediadora entre os moradores e os membros da resistência pela liberdade de Lula.

“Achei que seria muito bom uma visita missionária para diminuir um pouco as tensões (...) e comecei então a conversar. Encontrei casas em que não pude entrar, mas mesmo assim a gente conversou. Eu colocava que estava como missão e fui escutando ambas as partes, o pessoal que está acampado e o pessoal circunvizinho, né. Sempre falei com mulheres, só teve um caso em que falei com um senhor”, relatou a missionária.

Segundo ela, as pessoas se queixam bastante de privacidade. Como mediadora que se propôs, repassou à coordenação da Vigília o que considerou que poderia ser diminuído de incômodo aos vizinhos, que formam uma diversidade de opiniões políticas. “Existem casos em que os moradores acham que cabe ao pessoal lutar; casos em que as pessoas apoiavam no início mas que achavam que iria durar menos tempo”. Muitos, segundo Cleide, propuseram até que se mudassem para outros lugares, como as imediações da casa do juiz Sérgio Moro ou o Centro Cívico.

Exploração na lavoura 

A mediadora dessas situações nesses 13 dias é filha de uma família com seis filhos. Seu pai era filho de fazendeiros e cresceu, como ela mesma diz, sem bater um prego num sabão. No entanto, ela afirma não ter vivenciado isso. Devido à falência de sua família, seus pais viram a fortuna se reduzir e Cleide só viu seu pai na lavoura em situações de exploração extrema do trabalho. “Eu conheci meu pai trabalhando de meia, sendo muito explorado”, disse. Foi sua mãe que insistiu na questão da educação e por conta disso, todos os filhos são formados.

Ainda adolescente saiu de casa e fez votos a Deus e aos pobres. Ela reconhece que não é fácil ser religiosa e militante ao mesmo tempo. Muitas vezes, diz ela, teve de deixar um pouco de lado suas convicções em nome da boa convivência com suas companheiras.

“O Papa Francisco é muito claro nisso, os cristãos são chamados a participar da política, toda a vida eu tive essa compreensão, então eu tive que passar por esses momentos de afastamento (...) de poupar um pouco as minhas colegas, mas tem muitas que hoje já estão com essa compreensão (...) e já recebo mensagem delas parabenizando a minha coragem”, coloca, entre risos.

Ela diz que atualmente conta com o apoio de todas as congregadas, que hoje entendem o processo pelo qual passamos no país. Para Cleide, esse apoio é fruto da sua tenacidade enquanto militante.

Golpe e machismo

A Irmã acredita que o golpe de Estado contra nossa democracia tem origens no machismo. Tanto ela quanto suas companheiras de congregação entenderam que a questão de gênero estava latente no impeachment de Dilma Rousseff (PT). “A gente viu perfeitamente que a discriminação da mulher é muito forte, principalmente quando a gente via a questão da declaração de voto, a questão dos pronunciamentos, no Senado e na Câmara Federal. (...) Isso fez parte do golpe”, diz.

Cleide acredita que Michel Temer (MDB) não chegaria ao poder se não fosse por intermédio dessa fissura que foi feita em nossa democracia e que a CIA também está por trás disso tudo. “A tendência é continuar (...) essa elite não quer ver o povo tomar café da manhã e comer pra poder escravizar melhor”, declarou Raimunda Cleide Fontes, advogada e missionária.

Ela entende que essa questão de gênero é muito importante para a democracia, pois os próprios corpinheiros de luta precisam melhorar nesta questão. “É uma dose de machismo que não é brincadeira (...) tem muitas companheiras que também querem participar mas muitas vezes os homens não deixam”, afirmou. Ainda assim, ela tem fé nas mudanças e acredita que o fator de mudança social está nas mulheres principalmente. “Eu acho que quem vai transformar esse Brasil, quem vai transformas esse mundo somos nós mulheres, queira ou não queira, mas somos nós”, afirmou Raimunda Cleide Fontes, advogada e missionária.

Edição: Pedro Carrano