Desamparo

SP: Novas vagas noturnas de ação de combate ao frio atendem 0,9% dos moradores de rua

Segundo padre Lancellotti, há cerca de 20 mil pessoas em situação de rua na capital; prefeitura abriu apenas 180 vagas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Operação Baixas Temperaturas foi lançada em 17 de maio, quatro dias antes de duas pessoas morrerem na madrugada
Operação Baixas Temperaturas foi lançada em 17 de maio, quatro dias antes de duas pessoas morrerem na madrugada - Wikimedia Commons

“Frio, tô cansado de sofrer. Morador de rua não tem validade de nada, sobra”, esbraveja Celso Antunes Ramos, 53 anos. Na tarde desta segunda-feira (21), fazia 20°C e a reportagem o encontrou tomando sol, próximo ao abairro da  Barra Funda, zona Oeste de São Paulo, apenas de shorts e camiseta.

A roupa foi a mesma que suportou a noite mais fria do ano, quando os termômetros registraram temperatura média de 8°C. Nos bairros mais gelados, o frio chegou a 3°C, de acordo com o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE).

“Cadê suas roupas?”, perguntei a ele. “Que roupa? É ganhar, os caras vem e roubam”, diz Celso.

Durante a madrugada de segunda, duas pessoas em situação de rua foram encontrados mortas. O corpo de Marciano Silva Correira, de 34 anos, foi localizado na Avenida do Rio Pequeno, na Zona Oeste; já a outra vítima, um homem de 24 anos, não teve a identidade divulgada e foi encontrado na Rua General Jardim, no Centro.

A suspeita é que as mortes foram causadas por hipotermia, quando há diminuição brusca da temperatura do corpo, mas o Instituto Médico Legal (IML) ainda não confirmou as causas. Padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, explica que o frio quase nunca aparece nos registros de óbitos da população de rua.

“Eles vão colocar que tem um problema hepático, renal ou pulmonar, porque a hipotermia, ela é uma síndrome”, afirma o padre.

Prefeitura

A Prefeitura de São Paulo informou que intensificou o atendimento à população em situação de rua desde o dia 17 de maio. A Operação Baixas Temperaturas consiste em oferecer dois abrigos emergenciais: um no centro, com 100 vagas, e outro na Lapa, com 80 vagas.

Além disso, o órgão informa que existem outras 14 mil vagas nos Centros de Acolhimento e atendimentos durante o dia em outros equipamentos públicos.

O Censo da População de Rua, de 2015, apontou que São Paulo tinha, naquele ano, 15.905 pessoas vivendo nas ruas. Padre Júlio acredita que esse número cresceu consideravelmente desde então, e hoje mais de 20 mil encontram-se nessa situação.

Lancellotti enfatiza também que a oferta de abrigos temporários não atende a demanda dos homens, mulheres e crianças que vivem nas ruas da cidade.

“Isso não responde, 100 vagas não significa nada em uma cidade que tem mais de 20 mil pessoas na rua. Nem todos vão para esse tipo de abrigo. Existem casais, existem famílias com crianças, existem casais homoafetivos, tem de tudo. Existe uma série de restrições e eles não aceitam muitas dessas normas desses abrigos”, relata o padre, sobre os motivos que afastam a população em situação de rua dos abrigos públicos.

As 180 vagas emergenciais cobrem apenas 0,9% da população em situação de rua, levando em conta a projeção do padre Lancellotti, ou seja, são mais de 111 desabrigados para cada vaga oferecida pela gestão tucana na Prefeitura da maior cidade do país.

Gilberto de Paulo, de 54 anos, é peão de rodeio, mas vive nas ruas desde a juventude. Ele tem uma carroça e afirmou à reportagem que vive preparado para o frio. Carrega com ele cobertor, lona e roupas de frio. Tudo para evitar ter que ir para um albergue.

“Odeio albergue, porque lá tem muita gente boa, mas ali [tem] tudo que não presta. Tem o bom e tem o ruim. Mas encontra mais ruindade. Aqui fora a pessoa é uma coisa, lá dentro a pessoa se transforma.”

Segundo a Prefeitura, das mais de 15 mil pessoas em situação de rua na cidade de acordo com o Censo de 2015, apenas 326 foram acolhidas na noite mais fria do ano.

Edição: Diego Sartorato