Paraná

Legado de Richa: corte de R$ 22,4 milhões compromete futuro da Unespar e da Unicentro

Desinvestimento aumenta índice evasão, impede expansão das universidades e dificulta contratação de professores

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Beto Richa (PSDB) enfrentou protestos de estudantes e professores durante os dois mandatos como governador
Beto Richa (PSDB) enfrentou protestos de estudantes e professores durante os dois mandatos como governador - Joka Madruga

A Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) e a Universidade Estadual do Paraná (Unespar) foram as instituições de ensino superior mais afetadas pelo desinvestimento do governo Beto Richa (PSDB) em educação nos últimos dois anos. A Unicentro recebeu 9,81% a menos do Estado em 2017 (R$ 187,5 milhões), enquanto a Unespar teve uma redução de 1,16% em relação a 2016 (R$ 158,7 milhões). O total dos cortes nas duas universidades chegou a R$ 22,4 milhões de um ano para o outro.

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A reportagem do Brasil de Fato obteve, através da Lei de Acesso à Informação, uma tabela com os investimentos do governo paranaense em cada universidade desde 2011. Observa-se uma tendência geral de ampliação da verba, devido à inflação e à oferta de novos cursos. Em 2017, porém, a curva de crescimento dos recursos para o ensino superior foi a menor de todo o período Richa.

Para 2018, o governo deve aprofundar o desinvestimento. Conforme a estimativa de despesas indicada na Lei Orçamentária Anual, o tesouro estadual deverá repassar 12,9% a menos para a Unespar e 2,5% a menos para a Unicentro.

Carências

Presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) do campus Paranaguá da Unespar na gestão 2017, Emmanuel Lobo afirma que os índices de evasão refletem o desmonte da educação superior do Paraná. “Em 2014, havia mais de 2,2 mil estudantes no campus Paranaguá. No fim do ano passado, havia 1,3 mil cursando regularmente”, compara. Entre as razões para a desistência, Lobo menciona a falta de moradia estudantil e de um restaurante universitário para estudantes de baixa renda.

“Os investimentos pararam. Tem algumas partes do nosso prédio que já deveriam estar terminadas”, questiona Odinei Fabiano Ramos, professor do Departamento de História da Unicentro no campus Santa Cruz e em Coronel Vivida. “Isso faz com que qualquer proposta de ampliação da instituição seja impossível. Tanto que já se começa a discutir a hipótese de diminuição dela. Vários cursos começam a ser pressionados, por uma questão de demanda. Os problemas de assistência estudantil também têm causado evasão, e isso afeta principalmente os cursos de licenciatura”, completa. O campus Cedeteg, em Guarapuava, é o único que dispõe de moradia estudantil – apenas para meninas.

“As contratações [de professores], que demoravam de duas a três semanas, agora demoram de três a quatro meses. Os alunos ficam muito tempo sem aulas, e depois os professores têm que ficar repondo”, acrescenta o professor. “Por mais que a gente se esforce, essa reposição é muito acelerada, e tem toda uma dificuldade de leitura dos alunos também. Não é uma questão de achismo. É percepção mesmo: atrapalha a formação”.

De 2016 para 2017, o governo Richa extinguiu 66 cargos comissionados e funções gratificadas, segundo o Sindicato dos Docentes da Unicentro (Adunicentro). Em março deste ano, o calendário acadêmico da graduação chegou a ser suspenso na Unicentro, em protesto contra a falta de professores temporários. Conforme o reitor Aldo Nelson Bona, 104 docentes aguardavam a autorização do Estado para iniciar as atividades em sala de aula. No dia seguinte, o governador cedeu e as aulas foram retomadas.

A Unespar também registrou atraso no pagamento das progressões e promoções dos professores. Após pressão da Seção Sindical dos Docentes da Unespar (Sindunespar), o governo voltou a efetuar os pagamentos, mas não de maneira retroativa.

Outro lado

Beto Richa deixou o cargo no Executivo no último dia 6 de abril para concorrer ao Senado Federal. A substituta Cida Borghetti (PP) fez mudanças na equipe de trabalho, e a reportagem não conseguiu entrar em contato com os integrantes da antiga gestão, para explicar a redução dos investimentos nas universidades estaduais.

O então secretário da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, João Carlos Gomes, falou sobre o tema após o impasse para contratação de professores e disse que “o governador Beto Richa, sistematicamente, dá as condições necessárias para fortalecer as sete universidades. Todas podem atuar com tranquilidade e continuar desenvolvendo o trabalho que garante inovação e o desenvolvimento para o Estado do Paraná”.

O cálculo utilizado pela equipe do governo Richa, em quase todos os pronunciamentos, é o de custo por aluno ao ano. Segundo a estimativa do governador, o investimento público por estudante está em expansão.

Abandono

Os pesquisadores Mônica Herek e Edmar Oliveira, da Unespar, se debruçaram sobre as contas do Estado e observaram que a proporção da receita tributária líquida destinada à educação encolheu no governo Richa, em comparação com o antecessor Roberto Requião (PMDB) – que governou o Paraná de 2007 a 2010. Embora Richa defenda que houve maior repasse de recursos por aluno a cada ano, o cálculo é influenciado pelo aumento da evasão e dá a sensação enganosa de que a verba investida nas universidades é suficiente.

Em 2012, segundo ano do mandato de Richa, houve um corte de R$ 735 milhões para a pasta, em valores atualizados. Dois anos depois, “foram repassados à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI) pouco mais de 23 milhões de reais (valores atualizados), significando um corte de 40% dos valores repassado em 2010”, segundo artigo publicado por Herek e Oliveira em 2016.

Impasse

Emmanuel Lobo foi o único conselheiro a votar contra a abertura do curso de Direito na Unespar, no ano passado, por entender que não haveria recursos para manter o curso em funcionamento e garantir a permanência dos estudantes: “Era uma decisão política”, resume. O ex-presidente do DCE analisa que o governo do Paraná mistura as verbas de custeio e capital, na divulgação dos repasses, para mascarar os cortes.

“O governo usa os dados totais para dizer que as universidades recebem bastante dinheiro, e diz que só discutirá aumento de custeio com redução da folha de pagamento. É um discurso retórico, para justificar sua política de asfixia”, critica Lobo. O acréscimo na folha de pagamento, ano após ano, resulta das elevações de classe e nível dos professores, em decorrência do aumento da titulação do corpo docente. 

Verbas de custeio são usadas para pagar a manutenção do ensino e a infraestrutura, como limpeza, higiene, segurança, papel, auxílio-transporte, bolsas de estudo e contratos de prestação de serviço. A verba de capital se refere a investimentos patrimoniais, destinados à reforma de prédios, construção de salas, equipamentos técnicos e de pesquisa.

Edição: Ednubia Ghisi