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Judiciário

Novo GT da Lava Jato tem ex-advogado da Petrobras e procuradores do caso Mensalão

Procuradora-geral da República manteve apenas dois dos dez integrantes da equipe de Janot

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
José Alfredo Silva reprova a politização e a espetacularização do Poder Judiciário
José Alfredo Silva reprova a politização e a espetacularização do Poder Judiciário - Valter Campanato - Agência Brasil

Desde que assumiu a Procuradoria-Geral da República (PGR), no último dia 18, Raquel Dodge tentou de todas as formas mostrar que não fará mudanças drásticas nas investigações da Lava Jato. Porém, tornou-se público que ela e o antecessor Rodrigo Janot ocupam polos opostos na correlação de forças do Ministério Público (MP).

Segundo colegas e ex-membros do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a diferença de estilos ganhou contornos de rivalidade a partir de 2014. Precisamente, quando Dodge levantou suspeitas sobre um suposto esquema de espionagem na PGR, que teria sido montado a serviço de Janot. A história não foi adiante, mas inviabilizou qualquer possibilidade de uma relação de confiança entre os dois.

Em agosto deste ano, outro estranhamento: o Conselho Superior do Ministério Público Federal acatou um pedido de Raquel Dodge para limitar o número de procuradores por área no MP. Janot não escondeu a irritação com a aprovação dessa medida, que significou uma diminuição da equipe cedida para a Lava Jato.

Restam dois

Denunciado por Rodrigo Janot por organização criminosa e obstrução de justiça, Michel Temer (PMDB) nomeou Raquel Dodge para o comando do MP após criticar a atuação do ex-procurador geral. Pela primeira vez em 13 anos, o presidente não escolheu o mais votado pelos colegas, Nicolao Dino – supostamente, porque ele era “o candidato de Janot”.

Se as diferenças entre Dodge e Janot foram decisivas para que ela assumisse a PGR, isso ficou ainda mais claro no novo grupo de trabalho (GT) da Lava Jato. Dos dez procuradores que estavam na equipe anterior, restaram dois: Maria Clara Barros Noleto e Pedro Jorge do Nascimento. 

São seis caras novas no grupo, que diminuiu de tamanho e será coordenado pelo procurador José Alfredo da Silva. Conheça um breve perfil da nova equipe, com base no depoimento de colegas, no currículo e na trajetória de cada um deles no MP.

José Alfredo Silva

O coordenador do novo GT da Lava Jato atuou na ação penal nº 470, investigação conhecida como “Mensalão”, que condenou 25 dos 38 réus em 2006. Ele também integrou o grupo de trabalho da operação Zelotes, que apura irregularidades no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) para beneficiar empresas privadas.

Conforme o depoimento de um ex-colega, José Alfredo Silva é crítico da politização e da espetacularização da Justiça, e não costuma “procurar os holofotes”. Essa característica ficou evidenciada em um discurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), onde atuava antes de ser nomeado por Raquel Dodge: “[O MP] não pode querer ser um ator da agenda política, não é nosso papel. Nós já temos poder demais com o que nós fazemos, nossa responsabilidade é muito grande para que queiramos amplificá-la indevidamente”.

Além do histórico de combate à corrupção no TRF-1, o novo líder da equipe da Lava Jato na PGR foi também procurador regional eleitoral, defensor público da União, e coordenou o setor de inteligência do Ministério Público Federal (MPF).

Raquel Branquinho

Responsável pela Secretaria de Função Penal, que está “acima” do GT da Lava Jato no organograma da PGR, Raquel Branquinho atuou com José Alfredo Silva no caso Mensalão em 2006.

Elogiada pela competência e agilidade no encaminhamento dos processos, ela trabalhou mais de duas décadas no MPF, na área criminal. Raquel Branquinho é formada em Direito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e tornou-se conhecida por participar da apuração do caso Banestado – que investigou o envio ilegal de 28 bilhões de dólares ao exterior e tinha, entre os réus, o doleiro Alberto Youssef, delator na Lava Jato.

Luana Vargas Macedo

Atuou nas investigações da operação Cui Bono, que culminou com a prisão do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB) após a apreensão de R$ 51 milhões em um apartamento na Bahia, em agosto.

Procuradora da República há cinco anos e mestre em Direito pela Universidade de Harvard, nos EUA, Luana Macedo também foi procuradora da Fazenda Nacional.

José Ricardo Teixeira Alves

Procurador da República em Sergipe, trabalhou nas áreas de combate à corrupção e Direito Constitucional e Infraconstitucional – que se refere às normas jurídicas não expressas no texto da Carta Magna.

O histórico dele no MP abrange uma variedade de temas maior que a da maioria dos colegas da equipe. Membro do grupo de controle externo da atividade policial, José Ricardo Teixeira Alves apurou recentemente irregularidades na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e entrou com uma liminar, em julho, para que o Ministério da Saúde deixasse de distribuir lotes de um medicamento chinês contra leucemia, devido à falta de comprovação científica e à ausência dos requisitos técnicos exigidos no Brasil.

Hebert Mesquita

Formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), é procurador da República no Maranhão há quatro anos. Ao lado de Luana Macedo, integrou o grupo da operação Cui Bono, um desdobramento da operação Greenfield.

Ex-analista judiciário do Supremo Tribunal Federal (STF), Mesquita trabalhou por dez anos como delegado da Polícia Federal em Brasília e participa da operação Zelotes, na qual o ex-presidente Lula (PT) também é réu.

Antes de ingressar no MP, atuou como advogado da Petrobras em 2002, no final do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). A estatal é um dos principais alvos da operação Lava Jato.

Marcelo Ribeiro de Oliveira

Doutorando em Ciências Jurídico-Civis na Universidade de Lisboa, é coordenador do Núcleo Criminal da Procuradoria da República em Goiás.

Com graduação e mestrado pela UnB, Marcelo Ribeiro de Oliveira tornou-se conhecido como procurador regional eleitoral em Goiás, onde recebeu a Comenda do Mérito Eleitoral pelos serviços prestados.

Expectativa

O novo GT da Lava Jato será responsável por reunir depoimentos, participar de audiências no STF e acompanhar as negociações dos acordos de delação premiada – etapas decisivas para o sucesso ou fracasso da operação. O período de transição termina no dia 19 de outubro. Até lá, cinco membros do grupo nomeado por Rodrigo Janot vão auxiliar na adaptação da nova equipe.

No discurso de posse, em 18 de setembro, Raquel Dodge citou sete vezes a palavra “corrupção”. Por outro lado, não fez nenhuma menção à Lava Jato, o que reforça o mistério sobre um possível redirecionamento da operação.

Nenhum dos seis novos integrantes do GT carrega a fama de “arquivador”. A maioria deles têm experiência em investigações que foram criticadas, assim como a Lava Jato, por uma suposta seletividade na apuração – o caso “Mensalão” e a operação Zelotes, por exemplo.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Frederico de Almeida, professor de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que a PGR tem poderes limitados para redefinir os rumos do MP. “Os procuradores da República, individualmente, mesmo nas instâncias mais baixas, têm muita autonomia, com uma capacidade muito grande de decidir que tipo de ação vão conduzir. O que pode contornar isso um pouco, no nível da PGR, são os trabalhos de criar câmaras especializadas, promover reforço de ações coordenadas”, analisa.

O discurso de posse sinaliza que, dentro de suas limitações, Raquel Dodge está disposta a ampliar o combate à corrupção e fazer valer os princípios da Constituição Federal de 1988, sem cair na pressão de quem a nomeou. É esperar para ver.

Cautela

Além das seis caras novas no GT da Lava Jato, a PGR também terá um novo vice-procurador geral: Luciano Maia. A nomeação chamou atenção devido ao parentesco com o senador Agripino Maia (DEM), denunciado por Rodrigo Janot por corrupção.

O ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, publicou um texto nas redes sociais e, como amigo pessoal de Luciano Maia, tentou esclarecer a situação. Segundo Aragão, “politicamente [Luciano] não compartilha nada com Agripino. É um perfil completamente diferente. (...) Ele é um dos fundadores do mestrado em direitos humanos da UFPB [Universidade Federal da Paraíba]. Uma pessoa muito articulada com os movimentos sociais e foi a principal força motora no estabelecimento da Comissão Nacional de Combate à Tortura”.

Este material faz parte da cobertura especial da operação Lava Jato. Clique aqui para ter acesso a outras reportagens sobre o tema.

Edição: Ednubia Ghisi