Paraná

Desmonte

Análise | Governo abandona Saúde para legitimar o fim do SUS

Assistimos como uma novela à disputa entre facções criminosas sobre os despojos da república

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Se antes a área da saúde pública era um enorme mercado em expansão, hoje é um asilo de lástimas, ansiedades e angústias
Se antes a área da saúde pública era um enorme mercado em expansão, hoje é um asilo de lástimas, ansiedades e angústias - Agência Brasil

Trabalho no setor Saúde. Em toda a área, em todos os lugares, vê-se o terrível desmonte. Quando não há demissão de profissionais, há atrasos imorais dos salários.

Todas as estruturas, já antes precárias, hoje quase sucumbem, sobrevivendo graças aos agônicos estertores do voluntarismo de alguns profissionais.

O reflexo disso na qualidade dos atendimentos e, por consequência, na saúde de cada um - trabalhadores e usuários do sistema - é dramático.

Em outras palavras: se antes a área da saúde pública era um enorme mercado em expansão, no qual profissionais podiam apostar suas carreiras, hoje é um asilo de lástimas, ansiedades e angústias. E naquilo que antes, há pouco mais de um ano, era expressão do direito constitucional e universal ao acesso a serviços que, mesmo com defeitos, funcionavam, hoje é o vir-a-ser de morredouros.

Claro que sabemos qual o interesse. Tornar o SUS mais que criticado: execrado e indesejável a uma massa de manobra barulhenta e estúpida, legitimando o seu fim. E ao mesmo tempo forjar o desejo pelos cada vez mais caros planos de saúde privados, como nos velhos e esquecidos tempos das trambiclínicas - aqueles planos nos quais você pagava uma mensalidade para ter acesso a hotelaria perfumada e poder se curar, no máximo, de uma gripe.

O surpreendente é que, mesmo assim, mesmo quem experimenta o cruel desmonte do direito à saúde pública, mesmo quem testemunha o abandono das pessoas à própria sorte, mesmo assim vejo muitos colegas ainda apoiarem e/ou justificarem o golpe, com as conhecidas narrativas mentirosas, obtusas e perversas que se resumem na "culpa do PT".

Cínicos ou ingênuos, continuam a repetir as propagandas antipetistas e neoliberais à exaustão. Continuam a cruzada delirante "anticorrupção-do-PT".

E como as coisas estão cada vez piores, criam racionalizações que invertem as relações de causalidade para, talvez, aplacar suas más-consciências pelo caos social que explode aos olhos pornograficamente - como se eles mesmos não estivessem tb ardendo na mesma fogueira que criaram com o insano antipetismo, nesse novo holocausto que nos consome por causa de todo o processo de deposição do governo legítimo de Dilma Rousseff.

Falo da Saúde. Mas, estamos em todos os espaços de sociabilidade cavando céleres um apertado buraco feito com nossa própria tolice, onde o que vale é justamente as certezas do não-saber, o discurso mais mesquinho, a obtusidade militante; delírios coletivos de salvação pelo capitalismo selvagem, forjados em linhas de montagem neoliberais.

Assim, continuamos a cavar um fosso que parece não ter fundo, enquanto cresce os que morrem de morte evitável.

Ao mesmo tempo assistimos como novela ou seriado à divertida disputa entre facções criminosas sobre os despojos da república e da democracia que o antipetismo estilhaçou. Desarmados. 

*Sergio Alarcon é psiquiatra e doutor em Saúde Pública pela Fiocruz

Edição: Ednubia Ghisi