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Literatura

Perfil | O São Francisco dos poetas escolhe estar vivo

Conhecido na literatura marginal curitibana, Batista de Pilar dribla a morte mais uma vez

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
O poeta e paranista fiel no Largo da Ordem, em Curitiba, onde costumava vender camisetas estampadas com seus poemas e livros de poesia
O poeta e paranista fiel no Largo da Ordem, em Curitiba, onde costumava vender camisetas estampadas com seus poemas e livros de poesia - Carolina Goetten

Enquanto caminha pelo bairro São Francisco, em Curitiba, quando ainda havia vigor e saúde na condução de seus rumos, João Antônio Batista de Pilar declama versos sobre uma certa Clarice, que olha para trás quando é dia seguinte. “Na vida”, ensina, “tudo pode mudar de uma hora pra outra”.

Agora, enfrenta mais uma reviravolta de quem existe por um fio, no trânsito entre os extremos: concordou em se internar para reverter os danos do alcoolismo. Amigos se inscrevem e aguardam na fila para visitar o poeta que, mais uma vez, driblou a morte. Sorte a nossa. Nas palavras do artista João Bello, se um poeta desiste de viver, morre um pouco a humanidade.

Ex-garçom, ex-chapeiro e eterno boêmio curitibano, Batista conhece todos os cantos da malandragem. Nasceu em Dois Vizinhos em 1960 e começou a escrever durante o primeiro grau. Uma apresentação de teatro no dia da árvore, em que interpretava um guatambu, rendeu-lhe a oportunidade de criar os primeiros versos, preservados na memória: “Nas mãos sempre crio calos / direitos como bambu / ajudo a rasgar os valos / o meu nome é guatambu”.  

Durante anos, manteve um bar na Alameda Cabral – o café Bartista –, onde reunia amigos, ideias e licenças poéticas. “A gente fazia música e declamava o tempo todo”, conta. Declamar, ele diz, é uma prática tão prazerosa quanto escrever. “No palco, e mesmo que o palco seja a rua, eu simplesmente subo e declamo. Não importa se há duas mil, 500 ou três pessoas assistindo. Tem que sustentar a mesma postura”, ensina.

No infinito da simplicidade

O quartinho modesto em que viveu na rua Paula Gomes, as refeições com prato feito e o jeito espontâneo de conversar delatam uma essência de simplicidade, que o deixou conhecido como São Francisco dos Poetas, em referência a São Francisco de Assis. “Eu sou poeta pobre. Poeta rico era o Vinícius de Moraes”. Afasta a poesia da atmosfera elitista e escreve para os operários, os bêbados e os vagabundos, para os cachorros e vendedores ambulantes. É o poeta de quem conhece a intensidade da vida, de quem encara o presente depois que o mundo muda por inteiro. E ainda consola a nós, homens, mulheres, Clarices: “Não me olhe com essa cara de ontem”.

Cada um de seus seis livros são como filhos de uma vida sem herdeiros. “Mas eu queria uma companheira para estar comigo”, conta. “Pode até estar numa camisa de força, que eu não me importo, mas eu tenho algumas exigências”. Para conquistá-lo, uma mulher deve atender a três requisitos: tem que ser caprichosa; tem que gostar de poesia; e tem que amar o Batista de Pilar. Essencialmente, simples assim.

Edição: Ednubia Ghisi