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Apesar da dor, um saldo positivo

Casal alvo de panfletos homofóbicos avalia que a situação fortaleceu a luta contra o preconceito

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
João Pedro, Letícia e Bruno posam para foto após o ato em apoio ao casal
João Pedro, Letícia e Bruno posam para foto após o ato em apoio ao casal - Arquivo pessoal

O jornalista João Pedro Schonarth abre as portas do sobrado ainda em reforma, onde mora há menos de um mês, acompanhado por seus dois cachorros, Tom e Tody. Ofega após uma pedalada de oito quilômetros que percorre para voltar do trabalho, na Cidade Industrial de Curitiba, e aos poucos retoma o fôlego. Bebe água num galão improvisado sobre a cadeira e oferece à repórter, que também chegou de bicicleta. “Vamos subir e conversar?”, ele pergunta, já familiarizado com o protocolo; como jornalista, nem precisa que lhe explique como funciona ou do que se trata um perfil.

Bruno Banzato, seu companheiro, não está em casa: servidor público da UFPR, cumpre uma carga horária mais extensa do que João. “Eu gostava quando nós dois trabalhávamos no período da manhã e tínhamos muito tempo juntos para conduzir nossa rotina, cozinhar, ir ao supermercado e passear com os cachorros”, recorda-se.

O casal tornou-se conhecido nacionalmente ao denunciar, nas redes sociais, um panfleto repulsivo e criminoso distribuído à porta de sua casa e pelas ruas do bairro Água Verde. Alguns dias depois, moradores da região e de toda a cidade se reuniram num protesto em combate à homofobia. “Quando vi aquele panfleto as minhas pernas vacilaram, caí sentado”, lembra João Pedro. “Mas o ato contra a intolerância foi tão bonito e reuniu tanto amor que compensou todo o sofrimento. Se eu tiver feito ao menos uma pessoa repensar seu preconceito, penso que a experiência já teve saldo positivo”, assegura.

Uma dentre milhares que se comoveram e solidarizaram com o episódio é a pequena Letícia Haro, de dez anos, que mora a algumas quadras do casal. Chegou aliviada de encontrá-los almoçando num restaurante próximo e explicou que não conseguiu chegar a tempo para participar do protesto. “Pediu para tirar foto com a gente, já depois do ato, e disse que estava ao nosso lado”, lembra João, antes de mostrar a fotografia no celular. 

Sete anos de cumplicidade

Bruno e João Pedro moram juntos há sete anos. Nesse período, já conheceram 20 dentre os 26 estados brasileiros. Sempre que as finanças permitiram, reuniram economias para percorrer países da América Latina e vivenciar o cotidiano em Londres, na Inglaterra, por alguns dias. “Sentimos orgulho ao ver que conseguimos realizar os nossos planos”, diz João, que trabalha desde os 15 anos. Ele aponta que o casal nunca viveu uma situação como esta. “A homofobia ainda não é crime tipificado em nosso país”, critica João. “Nosso caso foi classificado criminalmente como injúria, embora se trate de crime de ódio explícito. Só passamos por isso porque somos gays”.

A casa em que moram está nas etapas finais da reforma. Enquanto instalam prateleiras, desencaixam utensílios e organizam aposentos, o último andar já foi equipado com o sofá em que assistem séries e do qual até os cachorros se aproveitam para cochilar. Ao lado da sala de TV, uma varanda ensolarada aguarda a chegada da criança que em breve fará parte da família. “O processo está na etapa final”, João revela, ansioso. “Não vemos a hora de amar, acolher e educar um filho que aguarda uma família nas filas de adoção”.

Saldo positivo 

O jornalista ainda enxerga outro saldo positivo, apesar da dor e da humilhação que sentiram ao descobrir os panfletos, covardes e anônimos. “Eu vivia num mundo cor-de-rosa”, reflete em voz alta, no seu tom afetuoso. “Sempre pensei que bastava fazer o bem, cumprir com as obrigações e pagar minhas contas para que ninguém nos incomodasse”.

Agora, depois de encontrar-se cara a cara com a homofobia (ou, para sermos exatos, cara a panfleto), saberá como lidar com outras situações caso o preconceito encoberto em meio ao cotidiano se revele em sua vida outra vez. “Depois dessa, a gente encara qualquer coisa. E eu vou contar ao meu filho que não ficamos calados quando isso aconteceu com seus pais. Pra que ele nunca se cale também”, finaliza, otimista, como quem sabe alegrar com esperança até a mais perversa dentre as ruas da cidade.

Edição: Ednubia Ghisi