Curitiba já foi referência no transporte urbano e hoje é a capital com a tarifa mais cara do país. No início de fevereiro, os passageiros foram surpreendidos com acréscimo de 15%, mais que o dobro da inflação de 2016, considerado sem justificativa pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) que ordenou a suspensão. A ordem não chegou a ser cumprida e o prefeito Rafael Greca (PMN), que em campanha prometeu a revisão dos contratos com empresas de ônibus e a adoção de uma tarifa justa, recorreu ao Tribunal de Justiça para garantir o reajuste. O aumento da tarifa gerou manifestações que foram reprimidas com violência pela Polícia Militar e resgatou o debate sobre o contrato firmado entre Urbs e empresas de transporte, em vigor desde 2010.
A falta de transparência foi um dos motivos que fez o TCE ser contrário ao aumento. Em 2013, o órgão realizou auditoria, constatando mais de 40 irregularidades e concluindo que a tarifa deveria ser 16,7% menor. No mesmo ano, a Câmara de Vereadores instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que demonstrou que tanto o edital de licitação quanto as planilhas apresentadas têm graves problemas. A CPI aponta indícios de direcionamento no processo licitatório com exigências que apenas as empresas que já operavam no sistema de transporte de Curitiba teriam condições de cumprir – como a comprovação de experiência em operar em canaletas e estações tubo. No mesmo ano, no início da gestão do ex-prefeito Gustavo Fruet, também foi realizada uma auditoria na Urbs que confirmou alterações no edital final da licitação sem a autorização da Diretoria Jurídica da Urbs. Apesar disso, nada de efetivo foi feito e o aumento da passagem se repete a cada fevereiro sem a revisão do contrato.
No dia primeiro de março, foi divulgado que o Ministério Público do Paraná (MP-PR) abriu inquérito para investigar o reajuste da passagem do ônibus de Curitiba. A Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Curitiba já havia instaurado o procedimento no dia 20 de fevereiro.
Irregularidades no custo da tarifa
Tanto a CPI do transporte quanto a auditoria do TCE apontaram uma série de erros na composição da planilha que demonstra o valor de custo e recomendaram que a licitação fosse anulada. Itens como combustível e acessórios não tiveram seus valores atualizados. De acordo com o membro da Plenária Popular do Transporte Público de Curitiba e professor de economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Lafaiete Neves, os parâmetros de custo são os mesmo dos anos 1980, o que demonstra que há superfaturamento por parte das empresas. O combustível, por exemplo, corresponde a cerca de 15% do valor da tarifa ainda que os ônibus sejam mais econômicos que os veículos de 30 anos atrás. O Sindicato das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp) negou que haja superfaturamento na planilha. “A remuneração de peças está abaixo do percentual máximo estabelecido no edital de licitação”, informou.
O imposto de renda das empresas de transporte também consta na planilha de custo e é incluído no valor total da tarifa. A vereadora Professora Josete (PT) integrou a CPI do transporte e ressalta que é um absurdo o passageiro pagar o imposto de renda das empresas. “O empresário deveria tirar do lucro dele o valor do imposto de renda”, defende.
Indícios de formação de cartel também foram apontados pela CPI. A família Gulin, que recentemente teve membros citados em delação na segunda fase da Operação Riquixá que investiga fraudes em licitações de transporte no interior do Paraná, controla 68,7% das ações que envolvem o sistema de transporte coletivo de Curitiba.
Movimentos sociais criticam o aumento
Valter Fanini, integrante da Frente de Luta pelo Transporte, critica a decisão do judiciário de manter a tarifa a R$ 4,25 e do Ministério Público que, logo depois do aumento da tarifa, arquivou o inquérito instaurado para investigar a legalidade da licitação. “Os promotores e juízes não pegam ônibus, então para eles está tudo ótimo. Talvez julguem pelo marketing de que Curitiba tem um bom sistema de transporte, e não pelos fatos já levantados”, afirma.
Os movimentos sociais que convocaram atos nas últimas semanas contra o aumento da tarifa também criticam o prefeito Greca pelo aumento e por não rever o contrato de licitação, contrariando promessas de campanha, além de não dialogar com os manifestantes. “A nossa luta é pela tarifa zero, porque entendemos que o transporte é um direito garantido na Constituição, assim como saúde e educação. É preciso, no mínimo, que seja feita nova licitação porque já foi comprovado diversas vezes que essa licitação é fraudulenta”, comenta Ana Spreizner, integrante do Cwb Resiste.
Setransp e URBS
Enquanto movimentos sociais, TCE e CPI do transporte apontam para a necessidade da revisão da licitação e a diminuição no valor da tarifa, a Urbs reafirma que o ajuste da passagem é necessário e está previsto no contrato.
“O Ministério Público mandou arquivar o inquérito da CPI porque não viu nada de irregular nos contratos da Urbs com os empresários”, avalia o diretor de transporte da Urbs, Antonio Carlos de Araujo. Ele também discorda do parecer do TCE que aponta falta de transparência sobre os critérios adotados na definição do ajuste, afirmando que as informações e planilhas estão no site da Urbs.
Poucos dias depois do aumento da tarifa, o Setransp informou que as empresas operam com perdas financeiras maiores do que o esperado. O sindicato alega perda de R$ 1,3 bilhão desde o início da concessão, em 2010, já que o projeto aprovado na licitação previa que em janeiro deste ano o saldo devedor dos investimentos iniciais chegaria a R$ 545 milhões. O valor não se confirmou e esse saldo foi acrescido de R$ 755 milhões. Dentre as principais razões para não ter retorno do investimento conforme planejado está o erro das previsões de passageiros feitas pela Urbs. Segundo o Setransp, para março de 2016 a fevereiro de 2017, a Urbs previa uma média de 1,2 milhão de passageiros por mês a mais.
A vereadora Josete afirma que há anos escuta a mesma queixa dos empresários. “Se o transporte está tão falido e não dá lucro, não entendo porque essas empresas continuam prestando serviço”, rebate. Ela e outros vereadores propuseram uma Comissão Especial de Investigação para dar continuidade à CPI de 2013.
Edição: Ednubia Ghisi