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Análise | Após ocupações, escolas nunca mais serão as mesmas

“Resistir” é a marca que deixam os estudantes, apesar das ordens de reintegração e tentativas de desocupação violentas

Curitiba (PR) |
No Colégio Pedro Macedo, no bairro Portão, centenas de pessoas formaram uma corrente humana para defender a ocupação
No Colégio Pedro Macedo, no bairro Portão, centenas de pessoas formaram uma corrente humana para defender a ocupação - Fotos: Gabriel Dietrich

“Nós vamos levar a luta estudantil para frente, nós vamos mostrar que não estamos aqui de brincadeira, e que o Brasil vai ser um país de todos", discursou a estudante paranaense Ana Júlia Ribeiro, nesta segunda-feira (31), no Senado. A reunião da Comissão de Direitos Humanos da Casa foi convocada por parlamentares para debater os impactos na Educação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que congela gastos públicos federais nas próximas duas décadas.

Aos 16 anos, a estudante do Colégio Senador Manuel Alencar Guimarães, de Curitiba, ganhou repercussão nacional ao defender as ocupações de escolas no país contra a reforma nacional do Ensino Médio, proposta pelo governo de Michel Temer (PMDB), no dia 26 de outubro, na tribuna da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). Sua fala, firme e emocionante, viralizou e chegou a ser considerada pela jornalista Paula Cesarino Costa, ombudsman do jornal Folha de S. Paulo, como “o melhor discurso político da história recente”.

Prestes a completar um mês de ocupações no Paraná, estado que liderou as mobilizações em defesa da educação pública, o movimento secundarista se espalha pelo Brasil e ganha apoio das universidades. No Estado, já são pelo menos 16 campi universitários ocupados.

"Nossa ocupação está sendo um reforço às ocupações dos estudantes secundaristas nas escolas estaduais, pois entendemos que essas pautas também são nossas", afirma o estudante do segundo ano do curso de Pedagogia, Vitor Yano, de 30 anos.

Efeito imediato

Toda a mobilização política tem seu preço e os estudantes entenderam isso na prática. Há quase duas semanas eles enfrentam repressões, muitas delas violentas, de grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL), que tenta organizar ações de desocupação nas escolas em contato com pais, diretores, alunos e professores que não apoiam as ocupações, por meio da campanha recém-criada nas redes sociais Desocupa Paraná.

Militantes do MBL, com ideias próximas ao PSDB, de Beto Richa e do PMDB, de Michel Temer, têm incentivado discussões e brigas em frente a colégios de Curitiba, caso do Colégio Estadual Professor Lysimaco Ferreira da Costa, na noite do dia 27 de outubro, em que alunos que ocupam a escola foram agredidos.

A mãe de uma aluna, que apoiou o protesto pela desocupação, quando confrontada verbalmente por um estudante, chegou a afirmar que era possível governar apenas para os ricos, pois “eles têm mais inteligência”. Ela ainda confessou que não se importava com a exclusão de disciplinas como sociologia, filosofia e artes do currículo e que os estudantes deveriam “pegar no pesado”.

Muitos destes pais, mães e alunos têm se posicionado contra as ocupações em virtude da aproximação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que acontece nos dias 5 e 6 de novembro, e argumentam que os estudantes serão prejudicados. 

Para 191.494 mil estudantes, a prova irá acontecer nos dias 3 e 4 de dezembro. O adiamento foi anunciado nesta terça-feira (1) pelo Ministério da Educação (MEC). 

Na opinião do professor de filosofia do Colégio Estadual do Paraná (CEP), Márcio Pheper, que tem acompanhado e apoiado os estudantes, esse tipo de pensamento é egoísta e está relacionado à lógica produtivista em que funciona a sociedade contemporânea.

 “Quando você está vindo para o centro da cidade e se depara com uma greve, o primeiro sentimento é egoísta, de raiva, de que vai chegar atrasado ao trabalho ou perder um compromisso. Mas no fim do ano tudo mundo quer férias e 13º, e se esquecem como esses direitos dos trabalhadores e da sociedade - inclusive o de liberdade de expressão usado e abusado pelo MBL -, foram conquistados, isto é, por meio de mobilização social”, compara o professor.

Para ele, é preciso estar atento para que uma parcela da sociedade não crie um momento muito parecido com o pós-golpe de 1964. “Há movimentos reacionários, que generalizam pautas, muito mais violentos e truculentos do que a própria polícia. Era o que tínhamos com as milícias de direita na Ditadura Militar”, afirma.

Nas redes sociais, o passo a passo comunicado pelo MBL aos militantes para desocupar as escolas é o de identificar os colégios em que há discórdia entre diretoria, pais, professores e alunos, e organizar protestos. Mas o plano, na maioria dos casos, tem gerado o efeito contrário.

“Partiu, Pedrão"

“Partiu Pedrão”, disse Keyla Oliveira, de 17 anos, aos seus colegas quando soube que o MBL havia convocado um protesto em frente ao Colégio Pedro Macedo, no bairro Portão, na última sexta-feira (29). “Se for preciso os colégios periféricos saírem para ajudar os colégios centrais, vamos ajudar. E se for preciso os centrais irem até os periféricos também vai acontecer”, garante Keyla.

Ela conta que o colégio em que estuda, na periferia da cidade, reúne diariamente de 30 a 50 alunos na ocupação, e que tem recebido apoio total de pais, professores e trabalhadores da região. “Todos os dias temos pais dormindo com a gente”, relata.

A atitude de mobilizar pessoas em caso de tentativas de desocupação tem sido freqüente não apenas entre estudantes, mas entre a comunidade escolar e movimentos solidários aos secundaristas. No caso do Colégio Pedro Macedo, centenas de pessoas formaram uma corrente humana para defender a ocupação no dia em que a escola foi ameaçada.

Irialda Oliveira, mãe de uma aluna do colégio, diz se preocupar com a forma com que os militantes do MBL têm disseminado um sentimento de raiva e de ameaça às ocupações, mas que se tranquiliza ao ver o apoio em defesa da escola ocupada. “Nos dá novamente a esperança de que é possível mudar”, confessa. “A única coisa que me incomoda é ver os rostos cobertos”.

Mas sua filha, Ísis, do terceiro ano do Ensino Médio, explica que a opção dos estudantes por usar máscaras ou cobrir os rostos com camisetas, esta relacionada com as perseguições que estudantes estão sofrendo e com os riscos de futuras retaliações pela ação. “Aqui no colégio tivemos dois estudantes que foram identificados por um grupo fascista e tiveram que correr por alguns quarteirões para fugir”, relata. 

Sobre a falta de compreensão sobre as ocupações e a raiva que motiva tais grupos, a mãe ainda reclama do fato de muitos jornais locais estarem repercutindo informações parciais sobre a pauta estudantil. “A gente percebe que a mídia comercial não apóia as ocupações, então acabam incitando o ódio quando dão destaque apenas para os estudante que estão fora da escola. Mas a luta é muito maior do que um semestre e tem a ver com o estudo de gerações futuras”, protesta.

Resistência

“Estamos fazendo uma barricada com os estudantes e não vamos sair. Vamos continuar resistindo”, afirma Oruê Brasileiro, de 15 anos, estudante do CEP, no Centro de Curitiba. 

Apesar das determinações da Justiça pela reintegração de posse nas escolas e da multa de 10 mil reais por dia que pode atingir os alunos do CEP no caso de descumprimento da ordem, a decisão dos estudantes demonstra o sentimento que tem guiado as mobilizações do movimento secundarista, que chegou a alcançar 850 colégios no Paraná: resistência.

Mesmo sob ameaças, os estudantes vivenciaram nas ocupações dias de organização, aprendizado e tomada de consciência no processo de debater outro modelo de educação possível nas escolas. E a marca que resistirá após o cumprimento de cada uma das ordens da Justiça é a de que as escolas nunca mais serão as mesmas. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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