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Médicos cubanos se destacam no atendimento humanizado em Curitiba

Apesar dos resultados, Programa Mais Médicos completa três anos ainda sob ataques

Curitiba (PR) |
Jorge Luis González, médico cubano que atua na Unidade de Saúde São Miguel, localizada na Cidade Industrial de Curitiba (PR)
Jorge Luis González, médico cubano que atua na Unidade de Saúde São Miguel, localizada na Cidade Industrial de Curitiba (PR) - Fotos: Joka Madruga

Residente há dois anos no Paraná, o cubano Jorge Luis González (49) atua na Unidade de Saúde São Miguel, localizada na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Ele estava na Venezuela, onde exercia sua profissão de oftalmologista, quando recebeu o convite para trabalhar como clínico geral no Brasil, por meio de um contrato com o Programa Mais Médicos (PMM). “Isso é visto por muitas pessoas como um retrocesso na profissão”, conta. Apesar disso, Jorge aceitou a missão.  

Ao contrário do preconceito com que muitos cubanos foram recebidos no país, Jorge lembra que foi muito bem acolhido, mas que estranhou o modelo de tratamento focado na “polifarmárcia”. “Quando cheguei, me assustei com o exagero no consumo de remédios pelos brasileiros”, diz. Para ele, a medicina deve ser fundamentalmente baseada na prevenção. E revela: “Este é o sucesso do modelo cubano”.    

Atualmente, o PMM conta com 957 profissionais no estado. Entre eles, 691 são cubanos, 117 são brasileiros formados em outros países e 159 são brasileiros formados no país. O programa permitiu, com a criação do Cadastro Nacional de Especialistas, dar mais transparência às informações sobre a formação médica, possibilitando alinhar a especialidade de profissionais menos disponíveis- como pediatras, geriatras, ortopedistas, entre outros- à necessidade de cada região.  

Além disso, como bolsistas ligados a uma instituição de educação superior, vinculada ao Sistema Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS), os médicos do programa mostram aplicabilidade prática de seus estudos. “A apresentação dos trabalhos de conclusão das especializações mostrou que esses médicos estão muito inseridos no processo de trabalho e nas questões mais importantes que o município precisa”, avalia Cristiana Ferraz, coordenadora do Mais Médicos em Curitiba.  

Segundo Ferraz, a atuação dos profissionais estrangeiros, em especial dos médicos cubanos, traz um atendimento diferenciado para as Unidades de Saúde (US). “Três elementos essenciais do trabalho desenvolvido são a vontade de aplicação de seus estudos na realidade local, o procedimento diferenciado que ajuda na resolução dos problemas e o vínculo que criam com a comunidade”, descreve.  

Modelos de US  

Em Curitiba, existem dois modelos na Atenção Primária à Saúde: modelo tradicional de Unidade Básica de Saúde (UBS) e a Estratégia Saúde da Família (ESF). Apesar de ambas possuírem equipes multidisciplinares, elas diferem no perfil das equipes, na organização do atendimento e na distribuição territorial. Enquanto o modelo tradicional atende a população por segmentos, de acordo com a especialidade do profissional (pediatria, clínica médica e obstetrícia e ginecologia), a ESF requer médicos especialistas na saúde da família e comunitária, que tenham intimidade com os moradores e com a região, que trabalhem em tempo integral e que atendam as pessoas em todas as fases do ciclo de vida.  

Com 25 anos de profissão e especialista em ESF, Jorge González se destaca em sua atuação na US São Miguel, que funciona com o modelo de atenção tradicional. “Nosso objetivo é prevenir as doenças, evitando a necessidade da atenção secundária [tratamento] e da reabilitação, que são muito mais custosas para o país e para o próprio paciente”, defende.  

A boa integração com a equipe e a proximidade com os usuários, segundo seus colegas de trabalho, permitiram a adaptação do médico na cidade. Entre suas experiências na região, Jorge ajudou a aumentar os atendimentos em domicílio, o autocuidado dos pacientes com a saúde e a impulsionar ações de prevenção, como a formação de um grupo de usuários praticantes de atividade física. “Aos poucos, a educação em relação ao uso do remédio vai mudando”, afirma, com ânimo.  

Tratamento humanizado  

A poucos quilômetros de distância da US São Miguel, na região do Sabará, na CIC, Célia Aparecida Sampaio (48), agente comunitária de saúde, fala de sua experiência como paciente. “Estava com risco de amputar o braço direito, até que encontrei o Dr. Nolin”. Após uma tendinite que deixou Célia por oito meses com o braço imóvel, a agente de saúde foi atendida pelo médico cubano Nolin Alfonso Cruz, da Unidade de Saúde do Sabará. Segundo ela, que recebeu uma atenção de quase duas horas durante a primeira visita, a marca que fica das consultas é apenas uma: o atendimento humanizado. “Percebi que os médicos cubanos te tocam e têm paciência para buscar onde está o problema. Há uma aproximação com as pessoas”, relata.  

A US do Sabará está inserida em uma região periférica, com uma população predominantemente de baixa renda. Ela possui quatro equipes que atuam no modelo da ESF, duas delas com médicos do PMM. Apesar do elogio à qualidade do trabalho de Nolin, ele é mais um dos profissionais cooperados que encerra seu contrato e se despede do Brasil no próximo mês.  

Esta é uma questão que Jorge González lamenta. Mesmo com saudades da família em Santa Clara, região central de Cuba, o médico quer prolongar sua missão no Brasil. “Tudo está no campo da dúvida e da expectativa, mas ainda tenho esperança. Quero muito ficar”. 

Polêmica 

Criado em 2013 pelo Governo Federal, com o objetivo de suprir a carência de profissionais em regiões do interior e nas periferias das grandes cidades, o Programa Mais Médicos completou três anos na última sexta-feira (8). Um acordo intermediado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) permitiu a vinda de médicos cubanos para atuar em unidas básicas de saúde do país. Sem obrigatoriedade de validação do diploma, os profissionais cubanos foram os principais enviados para regiões de difícil provisão de atendimento, principalmente áreas indígenas e municípios em que mais de 20% da população se encontra em condições de extrema pobreza.   

Apesar da ampliação de médicos na atenção primária do Sistema Único de Saúde (SUS) e da avaliação positiva por parte de 95% da população atendida no âmbito do programa- de acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Instituto de Pesquisas Sociais e Políticas e Econômicas de Pernambuco com 14 mil usuários em quase 700 municípios do país-, o Mais Médicos ainda sofre ataques por meio de entidades de classe e está sob risco. O Conselho Federal de Medicina solicitou ao ministro interino da Saúde, Ricardo Barros, a manutenção apenas de médicos brasileiros no programa.  

Embora os brasileiros tenham recusado a adesão inicial ao Mais Médicos, a resistência diminuiu após a implementação de mudanças nas regras, que passaram a fornecer uma pontuação adicional de 10% nos processos seletivos de residência médica. Para Jorge González, a exclusão dos médicos estrangeiros pode comprometer um dos eixos centrais do programa, que é a aproximação com a comunidade e a fixação dos profissionais nas regiões, já que o direito ao bônus dos brasileiros requer apenas um ano de atuação. “A maioria desses médicos não tem um perfil amplo. Se hoje, com apenas um profissional você consegue cobrir a maioria das demandas, será preciso um clínico geral para adultos, um pediatra para crianças , um médico especial para atender gestantes, etc.”, explica.  

Sobre o futuro do PMM, na opinião de Ferraz, o governo interino não terá forças nem respaldo da comunidade para derrubar as características atuais. “O programa é assegurado por uma medida provisória e estamos vendo um compromisso por parte do Senado em relação à manutenção”, afirma. E acrescenta: “Apesar da corrida dos médicos brasileiros pela residência, não existe demanda para cobrir todas as regiões que hoje são atendidas”. 

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